Blogosfera policial brasileira cresce e atrai interesse da Unesco
Mauricio Stycer, repórter especial do iG
Trata-se de um fenômeno ainda recente e pouco visível, mas a caminho de tomar grandes proporções – como toda boa ideia nascida na internet. O seu apelido é “blogpol”, mas pode chamá-lo de “blogosfera policial”.
Já há hoje 74 blogs mantidos por policiais – militares ou civis – dedicados a discutir temas como criminalidade, violência e segurança pública, mas também, com frequência, mergulhar no próprio mundo para falar de política salarial, autoritarismo e corrupção policial.
Este número exato (74) é o primeiro resultado de uma pesquisa inédita, recém-concluída, mas ainda não divulgada, sobre “o fenômeno da multiplicação dos blogs”, nas palavras da socióloga Silvia Ramos, coordenadora do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania), ligado à Universidade Cândido Mendes, no Rio.
Sinal do interesse que o assunto desperta, a pesquisa, coordenada por Silvia e pela jornalista Anabela Paiva, conta com o apoio da Unesco, o órgão das Nações Unidas dedicado à educação, ciência e cultura.
“Acreditamos que a blogosfera policial traz possibilidades transformadoras para a área, por oferecer canais inéditos de diálogo entre forças de segurança e destas forças com outros segmentos da sociedade”, diz Anabela. A pesquisa constatou três tipos de blogs: os que se dedicam à crítica das corporações e políticas de segurança, os que fazem prestação de serviços (informações sobre concursos, por exemplo) e os que usam a ferramenta para expressar opiniões variadas, em busca de diálogo com outros blogs.
Em resumo, observa Anabela, estamos testemunhando a construção de um novo espaço de identidade política e intelectual para os policiais, “algo notável em forças em que a expressão de opiniões costuma ser controlada por rígidos regimentos internos”.
As referências da “blogpol”
A Constituição assegura a liberdade de expressão, mas policiais – tanto civis quanto militares – estão submetidos a diferentes estatutos, regulamentos e regimentos disciplinares, que têm sido utilizados para punir blogueiros. “O blogueiro policial, por isso, escreve genericamente quando quer se referir ao particular”, diz Danilo Ferreira, titular do blog Abordagem Policial, um dos mais respeitados da “blogpol”.
Um dos posts mais recentes de Ferreira trata do “Chefe AVC”. O texto fala, sem especificar, de comandantes “infectados” por “autoritarismo, vaidade e centralismo”. Em fase de conclusão do Curso de Oficiais da PM da Bahia, Ferreira ilustra o seu post com fotos de Fidel Castro, Saddam Hussein e Hitler – não há nenhuma referência a figuras do cotidiano dos policiais.
“É preciso bom senso”, diz Alexandre de Sousa, tenente da PM do Rio, autor de um dos blogs pioneiros na área, o Diário de um Policial Militar. O regimento disciplinar da PM carioca proíbe aos policiais emitirem opinião política ou falarem do próprio trabalho. “Ao pé da letra, já estou cometendo infração disciplinar”, diz Sousa.
Egresso da Escola de Oficiais, Sousa começou seu blog em 2006. Tornou-se uma referência na esteira da repercussão do filme “Tropa de Elite” – quando os jornalistas saíram em busca de informações sobre oficias da PM, deram de cara com o blog de Sousa, que já discutia o assunto há muito tempo.
Campeão de audiência, com cerca de 4 mil visitantes diários, Diário de um Policial Militar é uma referência da blogosfera. “É muita pretensão minha achar que posso ajudar na formação de opinião. O alcance em termos de influência ainda é muito pequeno”, diz. “Mas já é um começo”.
Outra referência na área é o policial militar Robson Niedson, da PM de Goiás, responsável por algumas iniciativas inéditas. A sua primeira criação é o Stive, um condomínio de blogs, cujo nome deriva de uma gíria interna (Stive, homenagem ao ator Steven Seagal, é sinônimo de colega entre PMS).
Além do seu próprio blog, Stive hospeda outros, de PMs que temem se identificar, por medo de punições – como o “Soldado PI”, da PM do Piauí, e o “Pracinha”, “diário censurado de um policial militar”.
Niedson também é um dos responsáveis pela aproximação do comandante-geral da PM de Goiás, coronel Carlos Antonio Elias, com o universo da blogosfera. Caso único na América Latina – e um dos quatro no mundo – a PM de Goiás hoje mantém um blog institucional e o seu comandante também administra um blog e uma conta no Twitter.
As discussões sobre a blogosfera policial levaram Niedson a tomar outra iniciativa pioneira – a criação de um aglutinador de blogs escritos por policiais ou sobre temas ligados à segurança pública. O Blogosfera Policial agrega hoje cerca de 80 blogs, publicando em sua homepage as atualizações mais recentes.
Empolgado, Niedson também faz podcasts (espécie de programa de rádio) semanais, com a ajuda de outros blogueiros da rede. E nesta sexta-feira, dia 19, vai transmitir os seus conhecimentos numa Oficina de Criação de Blogs, na Academia da PM de Goiás. A turma inicial conta com 18 inscritos – entre eles, três bombeiros e três policiais civis.
A repressão
Nem tudo são flores na blogosfera policial. Além de vários blogueiros escreverem protegidos pelo anonimato, há inúmeros casos de policiais punidos por manifestarem opiniões e fazerem críticas às instituições em que trabalham.
O major Wanderby Medeiros, da PM do Rio de Janeiro, é o exemplo sempre citado quando se fala das limitações ao uso de blogs por policiais. Punido mais de uma vez por seus comentários no blog, o major foi excluído do quadro de acessos da PM. O major Roberto Vianna, da mesma corporação, também foi punido por manifestar-se solidário, em comentário no blog do colega, contra a punição.
A repercussão do caso, inclusive na imprensa estrangeira, não alterou, até o momento, a política da PM do Rio.
Outro blogueiro cultuado na área é o ex-policial civil Roger Franchini, que mantém há anos o blog CultCoolFreak. Franchini tornou-se alvo de investigação policial depois de publicar carta irônica na “Folha de S.Paulo” sobre o roubo do relógio Rolex do apresentador Luciano Huck, em São Paulo.
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