domingo, janeiro 22, 2012

SOPA: a crônica de uma desistência

Por Milton Ribeiro, no sítio Sul 21:
Nos últimos dias, uma imensa onde de protestos invadiu o Congresso americano e suas margens. Tudo ocorreu sem gritos, cassetetes ou polícia de choque. Foi um protesto apenas domiciliar e uma prova do que a internet pode. Tudo indica que o presidente Barack Obama pressionou os autores do SOPA e do PIPA a recuarem para não ter de vetar uma lei que atacaria sua base social.


O primeiro sinal de que estava ocorrendo uma virada foi quando a equipe de defesa do copyright de Obama publicou uma nota no blog da Casa Branca dando conta que era importante combater a pirataria, mas que isto não poderia colocar em risco a liberdade e a segurança na rede.

Afinal, nesta quarta-feira (18), houvera uma superlativa demonstração na internet. Só nos Estados Unidos houve a paralisação por um dia da Wikipedia, 650 mil blogs do Tumblr e 10 mil outros serviços estiveram fora do ar. No dia seguinte, ocorreu uma mobilização sem precendentes contrária ao fechamento do site de compartilhamento de arquivos MegaUpload que tirou do ar o FBI e vários outros sites que defendiam os interesses do SOPA.

Além disso, foram realizadas 140 mil chamadas para os senadores norte-americanos e seus funcionários gastaram 4,2 mil horas falando ao telefone. O impacto das ações foi enorme. Em 18 de janeiro, apenas 31 membros do Congresso se opunham ao SOPA e ao PIPA. Apenas um dia depois, 101 membros do Congresso manifestaram-se publicamente em oposição aos projetos de lei.

Para Sérgio Amadeu, sóciologo, doutor em Ciência Política, defensor e divulgador do Software Livre, o blecaute foi fundamental para o recuo dos deputados em relação ao SOPA: “O blecaute foi surpreendentemente vitorioso. Assustou os conservadores norte-americanos. E também a derrubada do site do FBI. Aliás, não foi abatido apenas o site do FBI, mas também sites de associações de direito autoral, por exemplo”.

Porém, se no final da quinta-feira havia alguma histeria e ódio em relação à perda dos arquivos que estavam no gigante MegaUpload, o movimento sempre manteve sua direção com muitos de seus membros ressalvando que leis antipirataria devem ser discutidas, mas que aquela de autoria do texano Lamar Smith não servia. Neste momento, tanto o PIPA do Senado norte-americano quanto o SOPA da Câmara estão arquivados. É certo que alguma lei sobre direitos de propriedade intelectual será sancionada, mas antes as empresas de Internet, a comunidade criativa e a indústria de conteúdo terão de se unir para inovar, palavra fundamental na rede. Afinal, há que se encontrar fórmulas eficazes de acomodar os interesses da indústria sem danificar a Internet ou diminuir a liberdade na rede.

O fechamendo do MegaUpload ficou parecendo apenas um teste em que os defensores do SOPA cutucaram a internet a fim de verificar o tamanho e a capacidade de mobilização do monstro. Ficaram assustados.

Um recuo xenófobo

O recuo de Lamar Smith, o deputado republicano autor do SOPA, fala muito de si. Primeiramente Smith deixa claro que o bom senso teria voltado a imperar — “retiramos o SOPA até que haja amplo acordo sobre a solução a ser adotada” — e depois demonstra um pouco das ideias do congressista — “é claro que precisamos pensar na melhor forma de resolver o problema dos ladrões estrangeiros que roubam nossos produtos e invenções”. Isto prova que ainda não houve entendimento a respeito das consequências, por exemplo, da ação que fechou o MegaUpload. Talvez também demonstre que Smith acha que os EUA sejam os únicos produtores de cultura do planeta.

De acordo com informações fornecidas pelas autoridades dos EUA, o Megaupload foi fechado pelo FBI em razão de crimes contra a propriedade intelectual. O Megaupload é um site de hospedagem de arquivos. Estes sites funcionam da seguinte forma: o usuário abre uma conta e transfere os arquivos que desejar para lá. A cada arquivo enviado corresponde um endereço específico. Deste modo, se o usuário decidir compartilhar o arquivo com qualquer outro usuário na internet, basta ele divulgar o endereço. Por exemplo, se o usuário quiser distribuir um CD qualquer, ele o copia para sua conta no site de hospedagem e divulga o endereço para que outros possam buscá-lo. É uma operação bastante simples. Normalmente há dois tipos de contas: nas contas gratuitas os arquivos são deletados depois de algum tempo; nas pagas, os arquivos nunca são deletados.

O MegaUpload é o maior repositório de mundial de arquivos, servindo a mais de 150 milhões de usuários. A intervenção do FBI criou um conflito entre o direito à propriedade intelectual e os direitos à liberdade de expressão, à privacidade dos cidadãos e ao direito fundamental da inviolabilidade. E, pior, obteve a repudia mundial, pois o MegaUpload não servia somente a usuários norte-americanos.

É uma questão de muitas facetas. Afinal, dentre estes 150 milhões de usuários, havia piratas compartilhando DVDs de filmes, de shows, de pornografia e outros compartilhando músicas, mas também havia quem utilizasse o MegaUpload como um local para cópia de segurança de seus arquivos e trabalhos. Alguns pagavam o MegaUpload a fim de armazenar no serviço diretórios inteiros a fim de poder utilizá-los, por exemplo, em casa ou em uma viagem. Outros estão com seus HDs lotados e transferem para lá parte de seus arquivos. A diferença está em que alguns divulgam o endereço dos arquivos e outros não. A ação do FBI desconsiderou o uso pessoal.

O professor Eduardo Pellanda, da PUCRS, explica: “Sites como o MegaUpload são locais em que tu podes compartilhar e arquivos de várias maneiras. A princípio, não são para arquivos piratas, mas é claro que são muito utilizados para isto”.

Ou seja, se o fechamento do MegaUpload pelo FBI visa proteger grande corporações produtoras de vídeos e música, acaba por passar indiscriminadamente por cima do direito fundamental à privacidade e inviolabilidade das comunicações dos cidadãos. E qual será o destino das informações apreendidas pela polícia?

Pellanda diz que para evitar a pirataria na internet é preciso repensar a produção tradicional de conteúdo. “O iTunes, por exemplo, começou a vender downloads (cópia do hospedeiro de arquivos para um computador) de música a preço muito baixo. Hoje, são feitos mais downloads legais, que ilegais. Para vídeos e livros também estão surgindo outros modelos de comercialização. É preciso adaptar os modelos tradicionais, os modos de remunerar, repensar os direitos autorais. Existem vários sites semelhantes ao MegaUpload. Ele é apenas um site que fechou, era muito grande, mas isto não é tão significativo”. Pellanda considera que as autoridades se mostraram despreparadas: “Sem dúvida, estavam despreparadas. Não conhecem a internet. Tanto que isto fez com que vários deputados recuassem no apoio ao SOPA”.

Os especialistas consultados garantem que, apesar de afetar milhões de pessoas, o encerramento de sites como o Megaupload não conseguirá evitar que as pessoas compartilhem a cultura através da internet. Provavelmente, em vez disso, o ataque a uma parte da rede irá reforçar seu tecido global: sistemas centralizados como o Megaupload darão lugar às redes distribuídas, compartilhamento de arquivos criptografados e invulneráveis à intervenção de governos. “Tentar acabar com a pirataria deste modo é como cortar a cabeça da Hidra. Para cada cabeça esmagada surgem duas no lugar”.

O equilíbrio entre o direito de os autores serem justamente recompensados por seus trabalhos e o direito dos cidadãos de terem acesso à cultura deve ser buscado. Não há como impedir o avanço da teconologia, ainda mais que ela está comprovando que, hoje, é a maior garantia da liberdade.

Luís Nassif: Por que o BBB tem que ser proibido

Intimidade e privacidade são bens indisponíveis. Isto é, não é dado a outras pessoas invadirem esse tipo de bem jurídico. É um direito individual, inalienável e intransferível. Somente a própria pessoa – por ela própria (não por meio de outro) – pode abrir mão desse direito.


Exemplificando. A legislação não pune a autolesão. Mas pune quem induz ou pratica a lesão em terceiros, mesmo com sua autorização. Não pune a tentativa de suicídio, mas quem induz. Não proíbe a prática de prostituição, mas pune quem a explora.

Esses princípios derrubam a ideia de que basta a pessoa autorizar para que sua intimidade possa ser exposta por terceiros de forma degradante.

Tem um caso clássico na França do lançamento de anões. Um bar tinha uma atração que consistia em lançamento de anões. A prática passou a ser questionada nos tribunais. O depoimento de um dos anões foi de que dignidade era ter dinheiro para sustentar a família. A corte decidiu que a dignidade humana deveria prevalecer e proibiu a prática explorada pelo estabelecimento.

A análise do BBB deve ser feita a partir desses pressupostos.

Não poderia ser questionado juridicamente alguém que coloque em sua própria casa uma webcam e explore sua intimidade.

No caso do BBB, no entanto, a exploração é feita por terceiros de forma degradante. É como (com o perdão da comparação) o papel da prostituta e do cafetão. E não é qualquer terceiro, mas o titular de uma concessão pública obrigado a seguir os preceitos éticos previstos na Constituição – que não contemplam o estímulo ao voyeurismo.

Conteúdo com grife

Pela internet é possível fazer cursos nas melhores universidades do mundo – sem sair de casa


Educação (Foto: reprodução)

VETERANO Daniel Avizu em sua empresa. Ele estudou inteligência artificial no site Khan Academy  e se matriculou num curso de gestão em Stanford  (Foto: Rogério Cassimiro/Época)

Fazer pós-graduação ou um curso de especialização no exterior é o sonho de muitos brasileiros. Questões como vistos, a impossibilidade de deixar o trabalho ou a família no Brasil e as altas mensalidades de instituições prestigiadas, como Harvard e Oxford, tornam esse projeto inviável para a maioria. Percebendo essa dificuldade, as faculdades criaram opções para levar parte de sua excelência de ensino para outros cantos do mundo, por meio da internet. Muitos cursos são de graça, como os 16 que a Universidade Stanford, nos Estados Unidos, acaba de tornar disponível aos visitantes de seu site. No final do curso, há avaliações e pode-se receber um certificado. Outras universidades de renome têm investido pesado em seus programas de educação à distância pagos e cresce o número de especializações adaptadas para esse modelo virtual. Agora, por preços mais acessíveis, é possível aprender com professores de Berkeley e Harvard, nos EUA, e de Oxford, na Inglaterra. Mas, assim como aconteceria em cursos face a face, para encarar esses programas é preciso entender inglês.
O ensino à distância é uma tendência crescente no Brasil e no mundo. De acordo com o teórico de negócios americano Clayton Christensen, até 2017 metade das aulas do mundo será ministrada de forma remota. Segundo o último censo da Associação Brasileira de Ensino à Distância (Abed), em 2009 mais de 600 mil brasileiros faziam cursos desse tipo no ensino superior. A maior parte deles em universidades nacionais. Mas o número de alunos que fazem pós-graduação em instituições no exterior cresce. Parte da expansão dessa modalidade de ensino se deve às empresas, que têm investido na educação continuada por internet para seus funcionários. “Além de o custo ser menor, o profissional não precisa sair do país”, afirma Fredric Michael Litto, presidente da Abed.
A especialização numa universidade estrangeira ajuda a valorizar qualquer currículo. Além disso, aulas sobre temas específicos podem servir como base para um novo empreendimento ou uma área que o profissional deseja dominar melhor. O economista Daniel Avizu, de 32 anos, encontrou a resposta para muitas de suas dúvidas em tecnologia no site da Khan Academy, um portal de ensino à distância especializado em ciências exatas. “O último curso que fiz foi de reconhecimento da linguagem natural, um segmento da área de inteligência artificial que eu precisava dominar para o meu trabalho”, afirma.
Ele está inscrito para cursar de graça o programa de gestão de empresas de tecnologia, recém-criado pela universidade americana Stanford. Steven Blank, professor que montou esse curso, ensina empreendedorismo há sete anos para os alunos de engenharia da universidade. Ele já criou oito empresas de tecnologia no Vale do Silício. “Um profissional como esse não existe no Brasil”, diz Avizu, que é sócio de uma companhia de tecnologia de segurança, a ZoeMob.
Programas de graduação no exterior precisam ser validados pelo MEC. Essa regra nem sempre vale para cursos livres ou de extensão, como o que Avizu fará. “Em 80% das profissões, o que conta é o conhecimento adquirido e a credibilidade da universidade estrangeira”, afirma Fredric Litto. Antes de escolher o curso, é fundamental avaliar como ele foi estruturado. Na página da universidade deve constar a descrição da disciplina, o programa das aulas, o nome do professor responsável e informações sobre as formas de avaliação. Também é importante verificar se existem canais para o aluno tirar dúvidas e que tipo de recurso tecnológico é necessário para acompanhar o curso.
Por fim, o estudante deve analisar se ele tem o perfil necessário para participar de um programa de educação à distância. Sem organização, comprometimento com os prazos e motivação, as chances de desistir no meio do caminho são enormes. Na dúvida, é aconselhável tentar primeiro um curso de poucas semanas, de preferência gratuito.
Ensino à distância de primeira 
Algumas das mais tradicionais instituições estrangeiras oferecem cursos em inglês de diversas áreas, com direito a tutoria, avaliação e certificado
  

Se você ama, por que não diz?

Tenho uma amiga que se orgulhava de, em 23 anos de casamento, nunca ter dito “eu te amo” para o marido. Batia no peito como uma vencedora, como o lado vitorioso de um eterno jogo de sedução, em que apenas uma parte cede, e outra capitula. Sua estratégia, garante, deixou-o sempre apaixonado, “no cabresto”. Quando ela o conheceu, disse-me, ele não era o homem sensível que se tornou ao longo de duas décadas, mas um rapaz agitado, que não parava com ninguém. “Eu nunca telefonei para ele para nada”, festejava. “E ele sempre me ligou”.
No fim do ano passado, uma tragédia abateu-se sobre esse casal. O marido teve um ataque cardíaco fulminante e não resistiu. Minha amiga não teve tempo de se despedir, nem mesmo de tentar salvá-lo — foi um enfarto de uma rara violência. O golpe lhe foi fatal; ela o adorava, mas não a ponto de lhe contar que o amava. “Disse por gestos, que, no começo, nunca eram suficientes. Com o tempo, ele passou a entender que não fazia parte da minha natureza dizer isso”.
Numa conversa recente, pedi à viúva que me deixasse publicar seu relato. Ela concordou, porque achava importante dividir com as pessoas a maior dúvida que lhe restou dessa terrível experiência: será que é realmente necessário economizar belas palavras? Quando será que dizê-las não demonstra fraqueza e vulnerabilidade? Por que somos tão pródigos com críticas e reprimendas e tão lacônicos com os momentos de emoção que o outro nos proporciona? Por que temos vergonha de dizer que amamos o marido, a mulher, o pai, a mãe, os irmãos e os amigos? E, se o dissermos, até que ponto não parecemos carentes e pegajosos?
“Antes de me casar, tive vários namoradinhos que sempre reclamaram do meu jeito fechado. Mas era simplesmente impossível para mim dizer o que sentia com tanta facilidade. Fui criada por pais amorosos, mas do jeito deles — era raro quando eles diziam que amavam a mim ou aos meus irmãos. Acho que minha grande influência foi a minha avó, que me dizia para tomar cuidado para não virar peteca na mão dos homens. E eu via o exemplo dos meus irmãos, que se desmanchavam para as meninas e, pelas costas, debochavam porque elas estavam no papo. Elas eram completamente românticos e melosas, e, quanto mais se apegavam, mais eles corriam. Disse pra mim mesma: ‘nenhum homem vai me chamar de melada’. Formei uma casca grossa, e conheci o meu marido.
Éramos amigos de faculdade, mas só começamos a namorar depois. Ele era o que a gente chama de galinha, mas isso era coisa da idade. Com o tempo e alguns perdões depois, engrenamos num relacionamento maravilhoso. Nós nos entendíamos muito bem, ganhamos dinheiro juntos, ele não economizava nas gentilezas. Só eu que não conseguia vencer a barreira de dizer a ele o quanto eu o amava. Nos primeiros anos, ele pedia que eu dissesse as palavras mágicas, mas eu não disse. Quando ele vinha me abraçar, cheio de chamegos, eu respondia: “tá, tá, vou fingir que acredito”, numa postura cínica em relação ao amor dele, o que era injusto, porque ele já tinha me dado várias demonstrações de que era um amor verdadeiro. Acho que eu passei nosso casamento inteiro tentando que ele provasse que me amava de verdade e, a cada prova que ele dava, eu queria outra maior para, enfim, poder dizer o que eu sentia e o que ele queria ouvir. A morte dele foi uma estupidez, ele era novo demais e merecia ter sabido, em bom português, o quanto ele era amado pela sua mulher. Hoje vejo que gestos não bastam; dizer é parte da natureza humana. Vejo pelos meus sobrinhos que os jovens não sabem mais o que é romantismo, que eles se tornaram robôs que encontram e desencontram pessoas na balada e que namorar é um ato banal, de passar um tempo juntos dando beijo na boca”.
Respondi a essa amiga que ela não deveria se culpar; que seu marido, um sujeito mais do que generoso, sabia muito bem o quanto ela o amava, porque era um homem feliz. Mas é fato que existem impulsos que merecem escapar do controle do nosso senso de parcimônia, e que devem, sim, nos subjugar. Qual o problema de nos mostrarmos frágeis de vez em quando? Quem disse que nós só devemos abrir a boca quando tivermos certeza do que sentimos, posto que a certeza muda tanto com o passar do tempo? Num mundo sem toques, olhares e os sons das vozes, de carinhos vazios de Twitter e Facebook, protegidos pela tecla de um computador, o grande desafio do ser humano é ir além do “cutuco” das redes sociais, pegar um carro, enfrentar o trânsito, subir o evelador, tocar a campainha e dizer, sem medo, o que sente. Essa geração, que começou na minha, quando a AIDS explodiu e nós ignorávamos a realidade da doença, aprendeu que é preciso se distanciar para não se envolver. Para ela, o futuro dos Jetsons chegou de fato — não em termos dos carros voadores, mas dos capacetes invisíveis que protegem do contato físico e mantêm as emoções enclausuradas numa sinistra assepsia.
Como dizia o grande Cazuza, eu preciso dizer que te amo. Antes que seja tarde demais.
Bruno Astuto

R$ 14,6 milhões para os aerodeputados

Esse é o total de reembolsos pagos pela Câmara até agora para cobrir despesas com passagens de avião em 2011. Daria para mandar 11.930 pessoas para Nova York

Em um ano, os 513 deputados federais gastaram pelo menos R$ 14,6 milhões com bilhetes aéreos. Essa é a soma de todos os reembolsos já pagos pela Câmara para viagens de parlamentares e assessores de janeiro a dezembro de 2011 – outros ainda devem ser feitos. Com esse total, seria possível comprar 11.930 passagens São Paulo-Nova York, conforme preços da TAM na semana passada. Isso lotaria 53 Airbus A-330 e ainda deixaria alguns de fora. O campeão em viagens foi Wladimir Costa (PMDB-PA), com quase R$ 128 mil. Depois vem Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que gastou mais de R$ 100 mil. Há 22 deputados que até agora não pediram nenhum reembolso desse tipo. Além das passagens, os parlamentares podem solicitar indenização por despesas com telefone, combustível, locação de veículos, publicidade, hospedagem e correio. O site da Câmara apresenta esses gastos, mês a mês, porém sem a possibilidade de fazer rankings. A chamada Cota para Exercício da Atividade Parlamentar varia de R$ 23.033 a R$ 34.259 por mês, conforme o Estado de origem do deputado (quanto mais longe do Distrito Federal, maior).

"Vou te contar, eu sou bandido!"

Gravações inéditas da Operação Pasárgada, da Polícia Federal, expõem o funcionamento do balcão de sentenças no Judiciário

UM JUIZ SOB SUSPEITA O desembargador Francisco Betti. Grampeado pela PF, ele foi acusado de vender sentenças (Foto: reprodução)
Pasárgada não é apenas o paraíso imaginário para onde o poeta Manuel Bandeira queria se mandar, porque lá ele era amigo do rei e poderia ter as mulheres que quisesse. Pasárgada é também o nome de uma operação deflagrada pela Polícia Federal no dia 9 de abril de 2008, no período em que a instituição recorria com frequência a nomes bombásticos para batizar suas ações anticorrupção. Na operação, 500 policiais federais foram mobilizados para prender prefeitos, advogados, lobistas e integrantes do Poder Judiciário em Minas Gerais, na Bahia e no Distrito Federal. Seu objetivo foi desmontar um esquema de venda de sentenças pilotado por um grupo de juízes federais e desembargadores que atuavam em Minas Gerais. A fraude fora armada para driblar o bloqueio dos repasses de dinheiro do Fundo de Participação dos Municípios (uma parcela da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, transferida pelo governo federal para os municípios) para prefeituras de cidades mineiras, como Juiz de Fora e Divinópolis. O motivo do bloqueio eram dívidas altas com a Previdência Social. Em vez de quitar os débitos com o INSS, os prefeitos dessas cidades preferiram o caminho da contravenção. Contrataram uma empresa de “consultoria” que intermediava sentenças na Justiça favoráveis ao desbloqueio dos repasses em troca de pagamentos de propinas e outras vantagens a magistrados.
*Ouça os áudios no fim da reportagem
Nas investigações da Operação Pasárgada, os policiais federais coletaram provas contra três magistrados: o juiz federal Welinton Militão dos Santos, de Belo Horizonte, e os desembargadores Francisco de Assis Betti e Ângela Maria Catão. Estes dois fazem parte dos quadros do Tribunal Federal da Primeira Região, que tem sede em Brasília e é o de maior abrangência territorial no país, com jurisdição estendendo-se de Minas Gerais ao Norte e ao Nordeste. Depois de serem denunciados pelo Ministério Público Federal em 2010, os três começaram a sofrer sanções. Ainda em 2010, Welinton Militão foi punido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com a aposentadoria compulsória. No final do ano passado, o desembargador Francisco de Assis Betti foi afastado do cargo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O Tribunal ainda vai decidir se ele é culpado ou não. No caso de Ângela Catão, o STJ não aceitou a denúncia. O Ministério Público Federal (MPF) disse que vai recorrer dessa decisão.
Justiça - mensagem (Foto: reprodução)
A denúncia do MPF foi baseada em farto material coletado pela Polícia Federal, como comprovantes de depósitos nas contas dos magistrados, obtidos graças à quebra do sigilo bancário, e escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. O conteúdo dessas escutas permaneceu inédito até agora. Nesta reportagem, ÉPOCA revela, com exclusividade, trechos de gravações das conversas dos três magistrados. Existem trechos altamente comprometedores, como aquele em que o desembargador Betti disse, em tom de escárnio, ao juiz Militão: “Vou te contar, eu sou bandido”.
As gravações são oportunas num momento em que o Judiciário está dividido por uma polêmica sobre quais devem ser os poderes do CNJ. O órgão foi criado na reforma do Judiciário em 2004 para funcionar como instância de investigação de denúncias de comportamento inadequado de magistrados e tentar melhorar a gestão dos Tribunais (leia mais sobre o CNJ) . Desde sua instituição, a abrangência dos poderes do CNJ vem sendo questionada por uma parcela da magistratura, enquanto outros setores veem o órgão como a instância mais eficiente de controle do Judiciário por causa do corporativismo que impede o bom funcionamento de muitas Corregedorias de Tribunais.
As fitas obtidas com exclusividade por ÉPOCA têm duplo valor. De um lado, mostram como agem os envolvidos na cobrança de propina – quem são, como se tratam uns aos outros, onde se reúnem. De outro, trazem à luz detalhes que permitem traçar um perfil sucinto dos desembargadores Francisco Betti, Ângela Catão e do juiz Welinton Militão, propiciando a chance de conhecer o tipo de personagem que frequenta o lado escuro do Judiciário brasileiro. Um tipo de personagem que se repete em enredos que se interpenetram como no filme Pulp fiction, de Quentin Tarantino – infelizmente, ele não se move num mundo de ficção, mas no Brasil do século XXI.
CAPÍTULO 1 - CHICO BETTI
GAROTAS DE PROGRAMA E A INFLUÊNCIA DE EXU
Um homem preocupado com o aluguel de seu apartamento em Brasília. Apreciador de batidas de fruta com vodca e vinho chileno. Exibicionista ao falar de mulheres ao telefone – a ponto de encomendar garotas de programa a “interessados” em suas decisões judiciais. Desconfiado, se o assunto for algum tipo “de negócio”, tema sobre o qual prefere falar pessoalmente com o interlocutor em sua casa. Esse é o desembargador Betti que emerge das escutas telefônicas realizadas pela Polícia Federal. Nascido em Belo Horizonte, pronuncia frases cheias de “ocê”, “uai” e “sô”. Só deixa a cautela da fala mineira de lado ao tratar de sua atuação no Judiciário. Nesse caso, quem fala é o “Chico Betti bandido”, como ele mesmo se define nas gravações.
A carreira jurídica de Betti – afastado desde dezembro de suas funções de acordo com decisão emitida pelo Superior Tribunal de Justiça – começou nos anos 1980, como procurador da República. A carreira de malfeitos começou a aparecer em 2007. De acordo com o Ministério Público Federal, Betti, como juiz da 9ª Vara Federal Criminal de Belo Horizonte, solicitou R$ 60 mil para proferir decisão judicial favorável à liberação de mercadorias da Distribuidora Nisama, apreendidas na Receita Federal. Entre as mercadorias, estavam aparelhos eletrônicos e equipamentos de informática. Na ocasião, sua rede de relações incorporou dois amigos altamente úteis para seus propósitos. O primeiro foi Francisco de Fátima Sampaio de Araújo, gerente da agência da Caixa Econômica Federal responsável por sua conta-corrente. O segundo, Sarapó, apelido de Paulo Sobrinho de Sá Cruz, dono da empresa PCM Consultoria Municipal.
Foi com a ajuda dos dois que, segundo o Ministério Público, Betti começou a montar seu esquema de venda de sentenças. Segundo Martha Nascimento, ex-cunhada de Sarapó, Betti estava entre os juízes que receberam propina. Ela testemunhou um pagamento de R$ 40 mil ao magistrado, em troca de uma liminar para liberar as mercadorias apreendidas pela Receita. De acordo com Martha, Betti “gostava muito de dinheiro”. Segundo uma das gravações feitas pela PF, Sarapó chegou a dizer que Betti era como “um cabrito berrando, querendo peito” – ou seja, querendo propina.
As investigações da Polícia Federal se concentraram, no entanto, no período posterior a sua promoção a desembargador no Tribunal Regional Federal da Primeira Região, quando o magistrado se mudou de Belo Horizonte para Brasília. Três semanas depois de assumir o cargo, Betti ainda morava num hotel. Numa manhã de outubro de 2007, segundo os grampos obtidos por ÉPOCA, ele foi acordado por uma ligação do gerente Francisco Araújo. “Ontem, eu fui a uma churrascaria boa pra danar. Fogo de Chão. Eu tô até de ressaca porque eu tomei três batidas, quatro. Aquele trem com vodca. Por isso que eu tô deitado até agora. Minha cabeça está latejando por causa desse trem”, disse Betti.
O diálogo avançou morno sobre receitas para curar ressaca. Até que mudou de rumo e Betti começou a falar de suas despesas em Brasília. “Eu tenho de me controlar agora. Não tô gastando mais nada”, disse. “Eu estou pagando R$ 2 mil de hotel.” “Seu apartamento não saiu, não?”, quis saber Francisco Araújo. “Saiu nada”, respondeu o desembargador. O gerente apresentou uma solução: “Eu vou conversar com o Danilo (homem não identificado pela Polícia Federal). Ele tem meio para ajudar aí. Resolver isso”. Betti gostou da ideia. “Se pegar um apartamento, são R$ 2 mil a menos (...).” O “cabrito” não berrava por propina, mas por um imóvel.
No começo de novembro, Betti recebeu nova ligação telefônica de Francisco Araújo. Na conversa, o desembargador voltou a mostrar seu gosto pelas bebidas alcoólicas, mas desta vez discorreu sobre vinhos: “Agora eu tô tomando um Toro de Piedra. Cabernet Sauvignon 2004, chileno. Se acabar, eu abro outra (garrafa)”, disse o desembargador. Em seguida, Betti convidou Araújo e Sarapó para irem a sua casa. O gerente ficou feliz. Tinha um “negócio bom” para falar. “Eu tô esperando. Vou abrir ou uísque ou vinho”, respondeu o magistrado. Horas mais tarde, com base na gravação, a Polícia Federal montou campana na rua tranquila onde Betti morava, no bairro Ouro Preto, em Belo Horizonte. No fim da tarde, a polícia viu Araújo e Sarapó deixar o local num Honda Civic. Betti, muito gentil, foi até o carro se despedir dos dois amigos.
Os assuntos daquele dia ainda não tinham acabado, como mostram outras gravações da PF. Às 19h30, Francisco Araújo ligou novamente para o desembargador. “Que recepção maravilhosa. Sarapó ficou num alívio, numa alegria que cê recebeu ele”, disse o gerente .“Ele tá sensível?”, quis saber o magistrado. “Tá, tá”, respondeu o outro. “Então, deixa eu falar: manda pra Sâmia 700 pratas”, disse Betti. Segundo a apuração da PF, Sâmia seria uma namorada de Betti. A conversa prosseguiu no assunto “mulheres”. “Fala pro Sarapó arrumar umas mulheres pra nós aí e tudo, entendeu? Pega três mulheres, fica com uma. Uma pra mim e a outra pro amigo lá. E nós três só. Cê paga, cê entendeu? Paga bem”, disse Betti.
No final de novembro de 2007, Betti recebeu uma ligação de outro amigo, o então juiz da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, Welinton Militão dos Santos. “Vou te dar boas notícias”, disse Betti. “É? Que beleza, que maravilha”, respondeu o colega, ansioso. Militão estava enrolado. Seis meses antes, a Corregedoria do TRF da Primeira Região recebera documentos da investigação da PF sobre a venda de decisões judiciais. As suspeitas atingiam diretamente Militão. Ele precisava se explicar. A solução de Betti para os problemas do amigo envolvia uma lorota e uma tentativa de mostrar influência. Betti disse a Militão que tinha uma reunião com o então secretário-geral da Presidência da República, o também mineiro Luiz Dulci. Betti explicou que havia contado uma mentira à Associação dos Juízes Federais de Minas Gerais. Havia dito aos diretores da entidade que Militão tinha sido procurado por Dulci para intermediar um encontro com os magistrados federais de Minas – na verdade, havia sido Militão quem procurara Dulci, e não o contrário.
A ideia era amaciar os corregedores fingindo que Militão teria prestígio na Presidência da República. Além da demonstração de força que uma reunião com um ministro do então presidente, Lula, poderia representar, Betti e Militão planejavam levar, se recebidos, um pedido a Dulci. Eles solicitariam o apoio do governo para a criação de um Tribunal Regional Federal com sede em Minas Gerais, um pleito antigo da magistratura mineira. Betti sonhava alto: se o Tribunal viesse, ele seria presidente por ser o desembargador mais antigo de Minas. “O que eu tô feliz é o seguinte: é que você deu uma arrancada. Se alguém precisar ir ao Tribunal, não poderá ficar te perseguindo”, disse o desembargador a Militão. “Mas olha! O amigo, além de forte, é diplomata, viu?”, disse o juiz. “Não. Eu vou te contar, eu sou bandido. Aqui, meu filho, está falando Chico Betti bandido. Eu não tô nem preocupado com Tribunal, não! Eu tô preocupado é com as suas causas.” As causas em questão, segundo o MPF, eram as vendas de sentenças judiciais.
A ÉPOCA, Betti negou as acusações e disse que vai recorrer do afastamento ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Não há conversa minha no sentido de corrupção, de pedir dinheiro. Eu não deferi a liberação de mercadorias”, disse. Sobre a frase “eu sou bandido”, afirmou: “Eu me autodenomino Exu, que na umbanda é um bandido. Então, eu tenho uma incorporação de um Exu. Mas minha ficha é limpíssima”. Sobre o encontro com Dulci, disse: “Militão foi chamado pelo ministro. Eu comuniquei a um grupo de juízes. Só compareceram Militão, uma advogada e eu. O ministro disse: ‘Mas só vieram três?’”. Procurada, a Presidência da República informou que o encontro foi agendado, mas não confirmou se ocorreu. A respeito das conversas com Francisco Araújo, Betti afirma que tratava só da movimentação de sua conta bancária e nega ter pedido garotas de programa ou dinheiro para alguma namorada. De acordo com ele, Sarapó só o procurava como advogado. “Se veio a minha casa, veio trazer um memorial. Nunca fiquei bêbado na frente de ninguém.”
CHEQUE NA CONTA A Polícia Federal descobriu um cheque de R$ 46 mil com o juiz Militão. Ele foi aposentado pelo Conselho Nacional de Justiça, mas continua a receber salário  (Foto: reprodução e Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
 
CAPÍTULO 2 - ÂNGELA CATÃO
GENTE HUMILDE, FESTAS E DUPLA SERTANEJA
A desembargadora Ângela Catão, de 64 anos, gosta de organizar festinhas de confraternização com os funcionários de sua repartição. Ela mesma encomenda salgados e refrigerantes. Mas, nos afazeres do dia a dia, não gosta de cuidar de questões menores, como enfrentar filas de banco. Ela garante que em 35 anos de magistratura nunca foi a uma agência depositar dinheiro. Então, como explicar o comprovante de depósito, no valor de R$ 5 mil, que a PF apreendeu na Operação Pasárgada e no qual consta que a depositante foi ela mesma? Nas apurações da PF sobre a origem do depósito, a primeira pista foi justamente uma festinha de confraternização, na primeira semana de setembro de 2007, no gabinete de Ângela Catão, que na ocasião ainda trabalhava na Justiça Federal de Minas. A dupla sertaneja mirim Marcos Henrique e Santiel, formada a partir do filme Dois filhos de Francisco (2005), foi contratada para se apresentar no convescote da magistrada.
Aqui os personagens começam a se repetir. Quem contratou a dupla Marcos Henrique e Santiel para o evento? Sim, ele mesmo, Francisco Araújo, o gerente da Caixa Econômica, estrela da rede de relações do desembargador Betti. Conforme mostram as gravações, no dia 4 de setembro de 2007, Ângela pediu para ouvir uma música específica no dia da festa: “Gente humilde”, uma composição de Chico Buarque e Vinícius de Moraes (1969). “Acho que esta é a música mineira típica”, disse. Nas fitas, Francisco Araújo prometeu levar também um bolo, “para cantar parabéns para a seção eleitoral”. Segundo contou uma servidora à PF, Francisco também distribuiu para os funcionários “porta-joias, bandejinhas, ovinhos de decoração e outras miudezas”. Ângela Catão estava sorridente. Também tirou fotos com os músicos à frente de uma das estantes que guardava parte de seus processos. Muitos deles do interesse dos patrocinadores do show. Dois meses após a confraternização, a juíza se viu diante de um desses processos. De acordo com o Ministério Público, a turma receberia R$ 290 mil se a Justiça liberasse o Fundo de Participação dos Municípios para a prefeitura de Almenara, Minas Gerais, a 750 quilômetros de Belo Horizonte.
Segundo as gravações, no fim da tarde do dia 13 de novembro de 2007, Francisco Araújo estava ansioso. Tentara por diversas vezes falar com Ângela Catão. Quando conseguiu contato, cobrou humildemente: “E aí, doutora?”. “Peraí um pouquinho só, que nós confundimos aqui, tá?”, respondeu a magistrada. Dois minutos depois, o gerente recebeu uma ligação de Maria Márcia de Santiago Silva, oficial de gabinete da juíza. “Oi, a doutora Ângela está querendo saber. Essa petição que estava aí, qual era o pedido da petição?”, pergunta a funcionária. “Quer que eu leve aí? Eu subo aí.” Naquele mesmo dia, Ângela Catão enviou um comunicado à Receita Federal no qual mandou retirar a prefeitura da lista de devedores da Previdência, o que permitiria à prefeitura embolsar a verba do Fundo de Participação dos Municípios.
Na tarde seguinte, uma quantia de R$ 5 mil foi depositada na conta da então juíza. Uma funcionária do banco disse que o depósito ocorreu por determinação de Francisco Araújo e que parte do dinheiro, R$ 3 mil, possivelmente saiu da conta de Sarapó – sim, ele mesmo, o dono da empresa de consultoria que defendia a prefeitura de Almenara. Caso encerrado para o Ministério Público Federal, que, em fevereiro de 2010, denunciou Ângela Catão por corrupção e formação de quadrilha. Como no fim de 2009 a juíza havia sido promovida a desembargadora, o foro adequado de julgamento passou a ser o STJ. O Tribunal rejeitou, porém, a denúncia contra Ângela porque “as vantagens apontadas não teriam o potencial de corromper a magistrada, tal a sua insignificância”.
A desembargadora, que nega ter recebido propina ou presentes, concorda com a avaliação do STJ. Ela afirma que, dos R$ 5 mil registrados no comprovante de depósito, somente R$ 2 mil entraram em sua conta. “Para um juiz ser malvisto, queimado, bastam R$ 2 mil? Eu fiquei chateada. Acho R$ 2 mil muito pouco. Eu sou tão ruim, tão fraca assim? Não, gente. Não pode”, disse a ÉPOCA. Mas por que Francisco Araújo depositaria dinheiro em sua conta? “Existe um protocolo na Justiça Federal de Minas para juiz não ir ao banco. Tem fila e certo constrangimento porque o advogado quer pedir favor. O que acontece? Os gerentes passam nos gabinetes (dos juízes) e levam dinheiro e pegam cheque”, afirmou. Depois que o Tribunal rejeitou a denúncia contra ela, Ângela disse ter recuperado a fé na Justiça: “Eu não esperava essa decisão. Eu fui obrigada a acreditar de novo no Judiciário. Obrigada a dizer que o sistema jurídico funcionou”.
CAPÍTULO 3 - WELINTON MILITÃO NA POSSE DO AMIGO
Welinton Militão dos Santos, de 54 anos, mineiro de Pequi, a 128 quilômetros de Belo Horizonte, mandou uma correspondência à então presidente do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, Assusete Magalhães. O ofício tinha o objetivo de pedir autorização para viajar de Belo Horizonte para Brasília para prestigiar a posse de Betti, “amigo de velha guarda”, em 17 de novembro de 2007. Três dias antes, Militão mandara uma funcionária da Justiça Federal comprar passagens da companhia aérea Gol para o voo 1802, que partiria do aeroporto de Confins para Brasília às 12h05. No dia da posse de Betti, no entanto, Militão mudou repentinamente de planos. Às 12h15, chegou a um hangar do aeroporto da Pampulha, no centro da capital mineira, num carro oficial da Justiça Federal. Quinze minutos depois, embarcou no avião Sêneca PT VGM do empresário Paulo Sobrinho Cruz – opa, lá está ele de novo, o famoso Sarapó, o dono da consultoria que ajudava municípios encrencados com a Previdência.
Duas semanas depois da viagem para a solenidade de posse, Militão determinou a liberação de verbas do Fundo de Participação dos Municípios para a prefeitura de Juiz de Fora, que disputava na época uma soma de R$ 34 milhões bloqueados pela Previdência Social para compensar dívidas não pagas pela administração municipal. A causa de Juiz de Fora era justamente patrocinada pela consultoria de Sarapó. Logo após a decisão, a Corregedoria do TRF da Primeira Região entrou no circuito. “O corregedor está aqui, pedindo tudo”, avisou um funcionário da vara de Militão a Sarapó. Apesar da fiscalização, Militão recebeu um cheque de R$ 46 mil, cuja origem é atribuída à consultoria de Sarapó, duas semanas depois de a corregedoria fazer inspeção em seus processos. A cópia do documento foi apreendida em abril durante a Operação Pasárgada, que levou o magistrado para a prisão e resultou em seu afastamento da 12ª Vara Federal. Militão sempre negou que tenha recebido propina para dar decisões favoráveis à organização criminosa.
De início, o Conselho Nacional de Justiça aplicou somente a pena de censura ao magistrado. No fim de 2009, ele voltou ao cargo. O MPF recorreu, e o juiz foi aposentado compulsoriamente. Ele fica longe do Fórum, mas continua a receber salário. Um juiz federal em início de carreira recebe R$ 21.700.

Calendário de padres vende aos milhares em Roma



Doze belos homens estampam um singular calendário de 2012, vendido em bancas de jornal em Roma – e já causam furor entre as mulheres. Não foi produzido por grifes de roupas ou agência de modelos. Foi feito, isso sim, pelo Vaticano. Trata-se do calendário de jovens padres que já vendeu milhares de exemplares. Todo esse sucesso deriva das importantes informações turísticas e religiosas contidas no verso de cada foto, garante a Igreja. Santa ingenuidade. 

A nau do insensato

Imprudência do comandante, que levou ao naufrágio o navio Costa Concórdia, expõe quanto ainda estamos reféns do erro humano, apesar de toda a tecnologia


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VERGONHA
O comandante Schettino fez seu país passar por um
vexame mundial ao provocar o naufrágio e abandonar o navio
Tinha tudo para ser a viagem dos sonhos. Um cruzeiro de sete dias pelo Mar Mediterrâneo, com um desfilar de paisagens idílicas e todos os confortos de uma das embarcações mais modernas e luxuosas do mundo. Mais do que um roteiro de férias, estar a bordo do navio Costa Concórdia era uma conquista para muitos de seus passageiros e tripulantes, pessoas que haviam embarcado com a expectativa de comemorar um novo trabalho, celebrar o aniversário de casamento, aproveitar a primeira viagem internacional em família ou realizar o primeiro cruzeiro de suas vidas. Somada à alegria estampada no rosto de todos ao partirem do porto de Civitavecchia, a 70 quilômetros de Roma, na sexta-feira 13, estava a certeza da segurança do navio, considerado um dos meios de transporte mais infalíveis do planeta. O que os 4.229 ocupantes da nau não poderiam contar, porém, era com a inabilidade e a imprudência daquele que deveria zelar pelo bem-estar de todos. Apenas duas horas e meia após iniciarem a viagem, uma sequência de erros cometidos pelo comandante italiano Francesco Schettino levou a embarcação a naufragar próximo à Ilha de Giglio, nas águas geladas do Mar Tirreno. Até a sexta-feira 20, 11 pessoas haviam morrido no desastre e 24 continuavam desaparecidas. Por seu caráter raro e tão pouco provável, a tragédia do Costa Concórdia expôs o quanto ainda estamos reféns dos erros humanos, apesar de toda a tecnologia disponível nos meios de transporte atuais.

Mesmo com radares, sonares, cartas náuticas e todo o aparato tecnológico de aeronaves e navios, a falha humana é uma das principais causas de acidentes marítimos e aéreos no mundo. Um relatório do Departamento de Arquitetura Naval e Engenharia Náutica dos Estados Unidos aponta que 80% dos incidentes marítimos são ocasionados por erro humano. Destes, 38% se devem ao planejamento inadequado, 33% à observação errada e 19% à má interpretação de dados ou informações. O mesmo ocorre na aviação. Segundo o site americano PlaneCrash.com, especializado em acidentes aéreos, a média histórica de erro humano em desastres no ar chega a 56%, com base em dados coletados desde a década de 1950 até os dias atuais. Para o diretor de segurança de voo do Sindicato Nacional dos Aeronautas, comandante Carlos Camacho, no entanto, essa porcentagem pode ser ainda maior, chegando aos 70%. “Vale esclarecer, porém, que um acidente aéreo é multifatorial. Não se pode culpar apenas o piloto, que também tem sua responsabilidade”, diz Camacho. “O que sempre se esquece é de tentar desvendar as séries de erros e omissões cometidos por companhias aéreas e órgãos governamentais, além das condições climáticas adversas que também levam a um desastre.” A presidente da Associação Brasileira de Parentes e Amigos de Vítimas de Acidentes Aéreos, Sandra Assali, que perdeu o marido no acidente do Fooker 100 da TAM, que caiu logo após a decolagem do Aeroporto de Congonhas (SP), em 1996, concorda com o comandante. “É uma série de erros humanos que culminam com a falha do piloto.”
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SOBREVIVENTES
Passageiros que deixaram a embarcação durante a noite (acima)
aguardam assistência próximo à Ilha de Giglio: angústia e perplexidade
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Um exemplo curioso da relação entre falha humana e acidentes aéreos se tornou tema de livro. Entre 1988 e 1998, o índice de acidentes da companhia aérea Korean Air era 17 vezes superior à média dos Estados Unidos, o que levou o Exército americano a proibir que seus soldados viajassem pela empresa coreana. Preocupada com a situação, a Korean contratou David Greenberg, ex-vice-presidente da americana Delta Air Lines, para recuperar seu prestígio internacional. A primeira medida do executivo foi determinar o inglês como língua oficial da Korean Air. Ao separar a cultura da empresa da cultura nacional coreana, o número de acidentes da companhia caiu a zero. Analisando a interação entre copilotos e comandantes, descobriu-se um viés cultural. O profundo respeito à hierarquia cultivado pelos orientais impedia os subordinados de questionar seus superiores, mesmo quando era evidente que estes haviam errado. A história foi contada pelo escritor Malcolm Gladwell no livro “Outliers”, de 2008, que no Brasil ganhou o título de “Fora de Série”. No mar, a cultura do setor prega que o comandante é o chefe supremo. Não é raro eles serem vistos como autoritários que não admitem contestação. Isso é algo que as companhias deveriam rever.

Se o desempenho da Korean Air hoje beira a perfeição, o mesmo não pode ser dito das companhias aéreas brasileiras. De acordo com um balanço do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), o número de acidentes aéreos no País aumentou de 110 para 128 entre 2010 e 2011. Nesse período, o número de mortes também cresceu, passando de 39 para 84, aumento de 115%. Ainda de acordo com o órgão, essa variação se deve ao contínuo crescimento da frota aérea nacional e do consequente aumento da movimentação de aeronaves nos céus brasileiros. E o volume de navios de cruzeiro no litoral do Brasil também vem aumentando. Segundo a Royal Caribbean, uma das principais operadoras de turismo marítimo no País, o setor cresceu entre 20% e 30% nos últimos dez anos. Apenas na atual temporada de verão, que vai até maio, 17 navios de luxo devem passar pela costa brasileira e o número de passageiros deve subir 20% em relação ao ano passado.
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RESGATE
Equipes italianas trabalham para encontrar ocupantes desaparecidos
O aumento da demanda, porém, também traz consequências negativas. “Não há uma fiscalização eficiente nas escolas de aviação, que têm contratado pilotos inexperientes como instrutores, o que torna a formação precária”, diz o comandante Camacho. Outros fatores contribuem para que pilotos e copilotos cometam erros que podem ser fatais. A pressão que as companhias aéreas exercem sobre os funcionários, que acumulam voos após voos, aumenta o nível de estresse, diminuindo a capacidade de concentração. “Das 2,3 mil reclamações que recebemos, 1,6 mil são de funcionários de companhias aéreas relacionadas a pressões sofridas no ambiente de trabalho”, afirma Camacho. O setor marítimo não tem dados detalhados sobre as condições de trabalho nas embarcações. As maiores reclamações dizem respeito às trocas de turnos, segundo o sindicato nacional dos marinheiros. No Brasil, os oficiais da Marinha se formam em ciências náuticas, curso superior oferecido no Rio de Janeiro e em Belém. A formação leva em torno de quatro anos e é feita em regime militar, de internato. O aluno tem noções de náutica, instalação de máquinas, eletricidade, eletrônica e até astronomia. O salário de um comandante começa em R$ 17 mil e pode chegar a R$ 34 mil.

O prejuízo, nesse caso, recai principalmente sobre os passageiros. Uma das sobreviventes do naufrágio do Costa Concórdia, a gaúcha Juliana Scheffer, 27 anos, já havia viajado em três cruzeiros. Desta vez, a médica recém-formada, acompanhada do namorado e de mais nove familiares – incluindo a avó de 76 anos –, esperava desfrutar de momentos de tranquilidade a bordo da embarcação, interrompidos logo no início da viagem. “Foram minutos de pânico agravados pela falta de um comando no navio, o que só aumentou a sensação de medo dos passageiros”, diz Juliana. Assim como os outros ocupantes, ela perdeu roupas, documentos e objetos de valor, mas diz que o pior foi presenciar a confusão generalizada na hora de deixar a embarcação. “Faltava alguém com autoridade para impor ordem àquela bagunça. Quando chegamos ao bote, tripulantes disseram que primeiro iriam as crianças, os idosos e as mulheres, mas ninguém respeitou e todos avançaram”, conta. Na quinta-feira 19, passageiros levaram outro susto, desta vez na costa brasileira. Cerca de 2,5 mil viajantes que estavam a bordo do Cruzeiro Ibero Grand Holiday acordaram às 5h40 com uma manobra brusca feita pelo navio para desviar de um barco pesqueiro. Segundo relatos, algumas pessoas tiveram escoriações leves e a água da piscina escoou no mar por causa da inclinação provocada pelo movimento. O evento no Costa Concórdia, é claro, foi muito mais grave. “Eu sei que é clichê, mas parecia muito com a situação vivida no Titanic”, diz Juliana.
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PREJUÍZO
Despesas com resgate e indenizações devem chegar a US$ 300 milhões
Apesar de o número de vítimas do naufrágio do Titanic – no qual morreram 1.523 pessoas – ser muito superior ao do desastre com o Costa Concórdia, é impossível negar as coincidências entre os dois acidentes. Em 2012, completa-se um século da primeira e última viagem do transatlântico britânico. E o próprio comandante Francesco Schettino, na única entrevista que concedeu antes da fatídica sexta-feira 13 (ao jornal tcheco “Dnes”, em 2010), declarou que “não gostaria de estar no lugar do comandante do Titanic, obrigado a navegar no oceano por entre os icebergs”. “Mas creio que, com a preparação certa, é possível governar qualquer situação e prevenir qualquer problema”, completou. Ironicamente, o italiano, 52 anos, casado e pai de uma filha de 15 anos, tem longa relação com o mar, já que seu pai e seu avô, de acordo com o jornal inglês “The Guardian”, eram também comandantes, e a família de sua mãe há gerações é dona de embarcações. Formado em um prestigioso instituto náutico da região onde nasceu, próxima a Nápoles, Schettino começou a trabalhar para a Costa Cruzeiros, companhia dona do Costa Concórdia, em 2002, como oficial responsável pela segurança. Depois foi promovido a imediato e por fim a comandante, em 2006. Descrito por Martino Pellegrino, um dos oficiais presentes no navio naufragado, como “autoritário, insuportável” e alguém “com quem ninguém conseguia conversar”, Schettino foi detido por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) múltiplo, imprudência, naufrágio e abandono do navio.

Enquanto passageiros e tripulantes tentavam escapar da embarcação, que rapidamente afundava, Schettino já havia salvado a própria pele. À 1h46 (hora local), quando ainda havia pelo menos 300 pessoas a bordo, o capitão, segundo afirmação da juíza Valéria Montesarchio, já se encontrava em um cais na Ilha de Giglio, localizada a 50 metros da região onde a nau encalhou. Em um documento de oito páginas assinado pela magistrada, Valéria acusa o capitão de “conduta gravemente culposa” em diversas fases do desastre: na manobra imprudente de aproximação excessiva à Ilha de Giglio, para supostamente prestar uma homenagem ao chefe dos garçons do navio, natural da localidade; na hora do impacto, ao subestimar os danos causados na parte vital do Costa Concórdia; e no momento imediatamente após o choque, com a demora dos sinais de alarme e da sinalização às autoridades costeiras da efetiva situação em que se encontrava o navio. Uma conversa telefônica entre Schettino e o capitão Gregório de Falco, da Capitania dos Portos em Livorno, divulgada na terça-feira 17, por jornais italianos, correu o mundo, comprovando a omissão do comandante (leia quadro na pág. 94) e elevando De Falco ao status de herói. Diferentemente de Schettino, o italiano de 47 anos é descrito por colegas e parentes como um homem discreto, sem hobbies, que revelou não dormir direito desde o acidente e ter chorado muito quando soube que ainda havia pessoas presas dentro do Costa Concórdia.
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“Foi um erro tão absurdo que a gente ainda busca
explicações de por que o comandante agiu daquela forma”

Juliana Scheffer, sobrevivente
Se De Falco recusa o rótulo de herói nacional, Schettino tenta de várias formas se eximir da culpa pelo naufrágio. O comandante chegou a declarar que havia abandonado o barco porque tropeçou e caiu em um dos botes salva-vidas. Depois, teve de passar por um exame toxicológico para verificar a presença de álcool ou drogas em seu organismo, já que testemunhas acusaram-no de pedir uma bebida no bar do navio momentos antes da colisão. Na quinta-feira 19, uma rede de tevê da Moldávia – uma ex-república soviética – afirmou que uma jovem loira de 25 anos jantava com Schettino na hora do acidente. Identificada como Dominika Cermortan, ela confirmou o jantar e disse que fazia parte da tripulação do navio, porém seu nome não consta na lista de tripulantes nem na de passageiros do Costa Concórdia. Independentemente das circunstâncias em que se deu a colisão, a atitude de Schettino está sendo duramente criticada por outros comandantes. “Ele feriu um princípio ético essencial tanto da Marinha de Guerra quanto da Marinha Mercante. Um comandante nunca deve abandonar o navio, em hipótese alguma”, disse o Almirante Ricardo Antônio da Veiga Cabral, presidente do Clube Naval. “Ele serviu de mau exemplo e a prova disso é que os imediatos a ele no comando também abandonaram o navio no mesmo bote.” Opinião compartilhada pelo primeiro-tenente João Damasceno Lima, presidente do Clube de Reservas e Reformados da Marinha. “Já vivi situações de perigo em um navio, lutei na Segunda Guerra Mundial e nunca pensei em abandonar minha nau. Um comandante nunca comete esse ato de desonra.”

São muitos os prejuízos desse episódio. O financeiro ainda está sendo calculado. A empresa estima perdas de US$ 93 milhões só pelo fato de o navio ficar parado, mas seu valor de mercado já caiu US$ 1,5 bilhão. As despesas com o resgate e as indenizações devem chegar a US$ 300 milhões e com o conserto do navio outros US$ 500 milhões. As autoridades tentam evitar um prejuízo ambiental, pois há o risco de as 2.380 toneladas de combustível vazarem. Schettino, por sua vez, terá de conviver com a desaprovação mundial e com o prejuízo psicológico causado às vítimas. “Muitos passageiros do navio poderão desenvolver quadros de estresse pós-traumático ou ansiedade”, diz a psicóloga Teresa Creusa Negreiros, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). “Não há, porém, como se preparar para uma situação dessas. Falhas fazem parte da condição humana e, por mais que a gente sinta a necessidade de acreditar que estamos seguros, viver é assumir riscos.” Lição que a gaúcha Juliana Scheffer demonstra ter aprendido. “Vou voltar a viajar de cruzeiro, porque sei que o que aconteceu foi por conta de erro humano grotesco e não por alguma falha do navio, que tem uma tecnologia de ponta”, diz. Pena ainda não terem inventado uma tecnologia que nos proteja da insensatez humana.
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"BBB" no limite da lei

Em um ambiente cada vez mais permissivo, o reality show que já teve ares de programa antropológico do comportamento humano vira agora caso de polícia

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SEM REGRAS
Daniel, acusado de suposta violação sexual de Monique sob o
edredom após balada: polêmica e subida de 16 pontos no Ibope
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Talvez o edredom do “Big Brother Brasil” tenha encoberto um estupro, talvez tenha servido apenas para esquentar o Ibope do programa em sua 12º edição. Pode até ser que tenha funcionado para as duas coisas juntas. É fato, no entanto, que dessa vez é o próprio “BBB” da Rede Globo que está no paredão que ele mesmo criou – o da crescente falta de limites para conquistar, atiçar e satisfazer o voyeurismo de espectador de reality show. Nas cenas transmitidas abertamente pela emissora, relações sexuais já foram muitas vezes insinuadas nas versões anteriores do “BBB”, tanto por baixo quanto por cima de cobertores; e naquelas cenas que só podem ser acompanhadas no pay-per-view, que é pago – como o atual suposto estupro –, já se assistiu ao longo dos anos a embalos com bravas bebedeiras e a imagens de participantes trocando carícias mais que íntimas. Até aí tudo se dava no campo da plena liberalidade sexual. A possibilidade de ocorrência de um crime hediondo no “BBB”, porém, muda as coisas de figura e pode colocar em risco a sua própria existência, segundo nota oficial do Ministério das Comunicações. Também a Polícia Civil do Rio de Janeiro e o Ministério Público Federal e Estadual querem saber o que realmente ocorreu. Ou seja: o “BBB” que em seu início era uma caricatura de um programa antropológico, no qual se observava o comportamento e a tolerância entre si de pessoas que não se conheciam, transformou-se em caso de polícia – chegou ao limite da lei. E só podia dar nisso: como na sociedade como um todo, também as regras estabelecidas para estruturar o pequeno ambiente do reality, se não forem claras e não funcionarem como freios para o comportamento humano, podem gerar um ambiente altamente permissivo. No “BBB”, tendo ou não havido o crime de estupro de vulnerável, é certo que o ambiente degringolou para aquilo que o sociólogo francês Émile Durkheim designou de “anomia social”.
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INVESTIGAÇÃO
O delegado Nunes colheu depoimentos das estrelas do
programa: Monique disse que “as carícias foram consentidas”
A cena em questão, que na semana passada alimentou comentários e debates na internet, reações nos meios artísticos e intelectuais, bate-papo em bares e piada nas borracharias, é aquela em que o modelo paulista Daniel Echaniz, 31 anos, supostamente viola o corpo da estudante gaúcha Monique Amin, 23 anos, sob um edredom. A imagem do pay-per-view, na madrugada do domingo 15, a mostra inerte como alguém que perdera a capacidade de se autodeterminar devido ao estado de embriaguez. Talvez, nesse momento, ela tenha sido estuprada por Daniel e, se isso ocorreu, configura-se o crime de “estupro de vulnerável”: a moça não tinha condições de reagir porque se embebedara horas antes na primeira festa dessa edição do programa. Sendo esse o quadro real, o reality perde o show: processo e eventual punição da Justiça independem da vontade da vítima. Diante da grande repercussão, a produção do “BBB” foi então atrás do prejuízo ético com olhos no lucro financeiro que o programa dá: R$ 82 milhões no ano passado. É claro que ela deveria ter interrompido a cena no momento em que começou a acontecer e separado imediatamente o casal, mas ficou paralisada, talvez com uma sigla de cinco letras na cabeça: Ibope. Na verdade, toda a confusão fez o programa passar de 20 para 36 pontos. A primeira tentativa para apagar o incêndio do edredom foi perguntar a Monique o que rolara. Ela teria respondido que “todas as carícias foram consensuais”, embora, pouco depois e com apagões de memória bem típicos de quem ingere grande quantidade de bebida alcoólica, comentasse com as colegas: “Eu sei que não fiz, mas começo a pirar. Será que eu fiz? Será que não? Estou muito mal com isso.” O delegado Antonio Ricardo Nunes determinou investigação imediata, e também a ele Monique negou ter sido estuprada. Outra negativa, a de autoria, o policial ouviu de Daniel.

A presteza do delegado é elogiável, estranhando-se somente que ele tenha feito prevalecer as regras do programa, segundo as quais ninguém sai da casa, sobre o que manda a lei do País: o policial é que foi à emissora ao invés de Monique e Daniel irem à delegacia como aconteceria com qualquer mortal. Ao mesmo tempo que a polícia começou a agir, a ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para Mulheres, encaminhou ofício ao Ministério Público do Rio de Janeiro pedindo providências, o Ministério Público Federal de São Paulo instaurou inquérito e o Ministério das Comunicações, a quem cabe o controle do conteúdo exibido na televisão, informou que investigará se as imagens são “contrárias à moral familiar e aos bons costumes. Após essa mobilização, o diretor do “BBB”, José Bonifácio Brasil de Oliveira, o Boninho, eliminou o modelo do programa, transferindo-o para um hotel pago pela emissora e no qual até a quinta-feira 19 ele vivia numa espécie de confinamento – a rede de televisão informou que tomou tal atitude porque o modelo agiu de “forma inadequada” e para que responda “formalmente às acusações”. O Ministério Público Federal requereu a apreensão de seu passaporte. “O Daniel quer provar para todos que ele não fez nada. Sua prioridade é voltar ao programa, não mais pelo prêmio, mas pelo sentimento de injustiça”, diz o advogado Wilson Matias. Em outro canal está a professora Claudia Amin, mãe de Monique: “É claro que houve abuso, ela estava apagada.” O “Big Brother” é produzido em 42 países e exibido em 80, e não há lugar onde seus participantes não tenham criado constrangimentos. Em todos eles, incluindo o do Brasil, há um traço comum: nunca são divulgadas publicamente quais são as regras de comportamento dentro da casa e quais os critérios de avaliação psicológica da personalidade dos candidatos. Se tais regras e avaliações viessem à luz, ficaria mais fácil saber se a adrenalina para supostos crimes sob o edredom deve ficar somente por conta dos brothers e sisters ou também por conta do ambiente facilitador do programa.
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Editor de si mesmo

Novas formas de publicar um livro passam o controle para o autor

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PUBLICADO
O hobby de Bernardo Salcedo virou livro e vendeu centenas de exemplares
Para um autor desconhecido, publicar um livro é uma epopeia. São dezenas de tentativas perdidas em meio a uma pilha de originais, disputando espaço com outros iniciantes até, finalmente, ser lido por alguma editora. Uma vez aceito, começa um longo processo, que passa por uma detalhada negociação contratual, revisão, escolha da tipografia e design da capa, entre outras etapas. Mas os autores nem costumam reclamar, pois o funil editorial, a maior prova, já foi ultrapassado. Só que outras formas de se publicar um livro estão surgindo nesse mercado. Cada vez mais, autores lançam mão da publicação independente, onde podem controlar desde a capa e o formato do livro até quanto querem ganhar por exemplar.
A publicação independente é uma onda que não para de crescer nos principais mercados editoriais. Nos Estados Unidos, foram publicados 764.448 títulos dessa forma no ano passado, um crescimento de 181% em relação ao ano anterior. Nas editoras tradicionais, foram 288.355 títulos publicados. No Brasil, a tendência está em franca expansão e com muito espaço para crescer. Apenas 0,87% dos livros no País são vendidos pela internet, de acordo com dados de 2008 da Câmara Brasileira do Livro. E as redes sociais e vendas online são, junto com o boca a boca dos autores, o principal canal de divulgação e distribuição dos livros autopublicados.
Essa foi a alternativa utilizada pelo consultor de marketing Bernardo Salcedo, 36 anos. No ano passado, ele lançou um blog com crônicas sobre os amigos. A receptividade foi tão grande, que resolveu publicá-los. “Procurei várias editoras, que não se interessaram”, diz. Acabou publicando “Doze Homens e Nenhum Segredo” pela Ag.Book, que pedia apenas o arquivo pronto, com o livro diagramado. O autor não tem custos e cada livro é impresso apenas quando a compra é efetivada. “A principal vantagem é a liberdade de fazer do jeito que eu quero. Vendi algumas centenas, sem nenhum evento de lançamento, só pelos contatos em redes sociais e pelo próprio blog”, afirma.
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Desde 2009, a AgBook cadastrou 800 escritores, publicou 2 mil títulos e vendeu 7 mil livros, de acordo com Rodrigo Abreu, vice presidente internacional da AlphaGraphics, que controla a AgBook. “Somos uma alternativa para autores que querem relançar obras ou edições que não justificam a impressão de grandes quantidades, ou segmentos que necessitam de atualização rápida de conteúdo, como tecnologia, direito e medicina”, afirma Abreu. Há outros modelos para autores mais ambiciosos, como o da editora All Print, que também distribui as obras. “O autor manda o livro para nós e fazemos a produção, com revisão ortográfica, diagramação, capa e registro”, diz a diretora Luciane de Araújo. Um sem-fim de chances para que cada livro encontre seu leitor.

quinta-feira, janeiro 19, 2012

Como calcular porcentagem

Professores de matemática ensinam maneiras simples de fazer a conta.
Cálculo ajuda a saber aumentos de salários, descontos em promoções etc.

Do financiamento do carro às promoções das lojas, quase tudo o que envolve as contas dos brasileiros traz o sinal de "porcentagem". Com a expansão do crédito e a maior oferta de investimentos nos últimos anos, ele aparece cada vez mais – no juro do empréstimo, na remuneração da poupança, nos preços das ações. Mas muita gente ainda tem dúvidas sobre como fazer as contas.
(Série “Como fazer”: o G1 publica neste início de ano artigos e reportagens sobre os temas mais buscados em 2011 para o termo “como fazer”, listados pelo Google Zeitgeist.)

Divisão por cem
Para aprender a calcular porcentagens, a primeira coisa que deve se ter em mente é a explicação do professor de matemática Giuseppe Nobilioni, do cursinho Objetivo: porcentagem nada mais é que um número dividido por 100.


A porcentagem, na verdade, é uma fração com denominador igual a 100. Em qualquer conta que você faça, escrever na forma de porcentagem é escrever na forma de fração com denominador igual a 100”.

Em “matematiquês”, significa:
50% é a mesma coisa que 50/100, ou 0,5
30% é a mesma coisa que 30/100, ou 0,3
70% é a mesma coisa que 70/100, ou 0,7

Seguindo o raciocínio acima, é só multiplicar a fração pelo número total, considerado o "universo", ou 100%:
Quanto é 50% de 1000?
É 0,5 multiplicado por 1000 => 0,5  x 1000 = 500
Quanto é 30% de 1000?
É 0,3 multiplicado por 1000 => 0,3 x 1000 = 300
Quando é 45% de 520?
É 0,45 multiplicado por 520 => 0,45 x 520 = 234
PARA QUE SITUAÇÃO PODE SERVIR O CÁLCULO DE PORCENTAGEM?
Para quando você quer saber de quanto foi o aumento de salário; quanto ficará o preço do produto com o desconto prometido por uma loja; o quanto uma conta subiu etc.
Como calcular aumentos em porcentagem
Calculemos, por exemplo, o aumento 20% de um salário: se antes ele valia X, agora valerá X + 20% de X.
"Meu salário era X e aumentou 20%. Meu novo salário será o X de antes, mais 20% de X".
Se chamarmos o NOVO SALÁRIO de Y , o ANTIGO SALÁRIO de X, e substituirmos 20% por 0,2, a conta fica assim:
Y = 1X + 0,2 X
Y = 1,2 X
Agora, vamos fazer com números para ver como fica?
Um aumento de 20% para um salário de R$ 1000.
Y = 1000 + 0,2  x 1000
Y = 1000 + 200
Y = 1200
"Então, de um modo geral, quando alguma coisa aumenta, você vai multiplicar por 1 vírgula alguma coisa para atualizar o valor", resume o professor Giuseppe Nobilioni.
RESUMO DA REGRA DE COMO CALCULAR NOVO VALOR COM AUMENTO EM %
- Se o aumento é de 20%, multiplique o valor antigo por 1,2
- Se o aumento é de 70%, multiplique o valor antigo por 1,7
- Se o aumento é de 45%, multiplique o valor antigo por 1,45
E assim por diante.

Como calcular descontos ou reduções em porcentagem
O raciocínio é bem parecido com o cálculo do aumento. Calculemos, por exemplo, a redução em 20% de um salário: se antes ele valia X, agora valerá X - 20% de X.

De novo: se chamarmos o NOVO SALÁRIO de Y , o ANTIGO SALÁRIO de X, e substituirmos 20% por 0,2, a conta fica assim:
Y = 1X - 0,2 X
Y = 0,8 X
Usando um exemplo de salário de R$ 1000:

Y = 1000 - 0,2 x 1000
Y = 1000 - 200
Y = 800
RESUMO DE COMO CALCULAR NOVO VALOR COM REDUÇÃO/DESCONTO EM %
- Se a redução é de 20%, multiplique o valor antigo por 0,8
- Se a redução é de 70%, multiplique o valor antigo por 0,3
- Se a redução é de 45%, multiplique o valor antigo por 0,55
E assim por diante.

Como saber de quanto foi um aumento ou redução em %Se o objetivo é saber de quanto foi o percentual de aumento ou desconto de um valor, o professor de matemática Giuseppe Nobilioni, do cursinho Objetivo, explica: o primeiro passo é dividir o valor final pelo valor inicial. Se o resultado da divisão for maior que 1, houve crescimento; menor que um, houve retração.
Um exemplo:
Um produto custava R$ 820. Meses depois, passa a custar R$ 960. De quanto foi o aumento?
Dividindo o valor final pelo valor inicial:
960/820 = 1,17 => O que, passando o denominador para o outro, na língua da matemática seria a mesma coisa que dizer que  960=1,17.820, certo?
Considerando a regra explicada lá em cima (na tabela "Resumo da regra de como calcular novo valor com aumento em %",  multiplicar por 1,17 é o mesmo que dizer que houve aumento de 17%.
Resumo: se o preço passou de 820 para 960 e a divisão 960/820 dá 1,17, houve aumento de 17%
 E se o resultado da divisão fosse um número menor que 1?
Outro exemplo:
Um preço era de R$ 600 e cai para R$ 420. De quanto é o desconto?
Dividindo o valor final pelo valor inicial:
420/600 = 0,7 => O que, passando o denominador para o outro, na língua da matemática seria a mesma coisa que dizer que 420 = 0,7 x 600
De novo, considerando a explicação da tabela "Resumo de como calcular novo valor com redução/desconto em %", multiplicar por 0,7 é o mesmo que dizer que houve redução de 30%.
Resumo: se o preço passou de 600 para 420 e a divisão dá 0,7, siginifica que houve desconto de 30%
Como calcular porcentagem com a calculadora
A maquininha tem um item que é ajuda valiosa para o cálculo: a tecla  %
Na primeira parte do cálculo, é preciso pensar que, para toda conta na calculadora, a referência é 100%.

 "Se for calcular desconto, subtrai o percentual desejado de 100. Se for aumento, soma a 100", explica o professor de matemática do cursinho Etapa, Marcelo Dias Carvalho.
O professor dá um exemplo em números:
Um produto na loja custa 200. Você negocia e ela oferece desconto de 20%.
Qual vai ser o valor final?
Para a resposta, é preciso subtrair o desconto de 100. Essa parte dá para fazer "de cabeça":
100 - 20 = 80
Para saber qual será o novo preço com desconto de 20%; tecle o seguinte na calculadora:
200 x 80 % (não tecle =)
O resultado é 160.

Para calcular um aumento de 20% sobre o preço de 200, faça "de cabeça":

100 + 20 = 120

Depois, para saber qual será o preço com aumento de 20%, tecle na calculadora:
200 x 120 % (não tecle =)
O resultado é 240.