terça-feira, agosto 31, 2010

"Trata-se de" não tem plural

Por Thaís Nicoleti

“Segundo o ministro da Saúde, tratam-se de verdadeiros ‘cordões umbilicais’, sustentando a vida dos mineiros, tanto física quanto psicologicamente.”

O verbo “tratar” tem diversas acepções e a sua regência pode variar de acordo com elas. No sentido de ter certo tipo de comportamento em relação a alguém, o verbo é transitivo direto (tratar as pessoas com respeito, tratar bem os animais). Essa também é a regência de “tratar” quando a ideia é fazer um acordo ou mesmo fazer um negócio (“Trataram o emprego durante uma reunião social”, “Tratou uma venda promocional com o dono da empresa”).

Para fazer referência a tratamento médico de alguma doença, podem aparecer diferentes construções, com ou sem preposição: “O médico tratou a doença logo no início”, “Tratou da dor nas costas com massagens”, “O poeta tratou-se da tuberculose na Suíça”. No sentido de “cuidar”, temos duas regências ainda: “Tratou bem os/dos discos antigos que ela deixou com ele”.

Dar um tratamento a um material com o uso de determinado agente é “tratar algo com”: “Tratou o couro com silicone”, “Tratou o metal com ácido” etc. Usar determinada forma de tratamento é “tratar alguém de ou por” (“Apesar da formalidade, achou que poderia tratá-lo por você”, “Tratou-o de ladrão em seu discurso”).

Esse verbo tem muitos usos e sempre vale a pena consultar um bom dicionário de regência para conhecer todos eles. O que nos interessa em particular aqui é o uso feito pelo redator no fragmento em destaque.

A construção “trata-se de” indica qual é a questão que importa, o que se debate, qual é o objeto da diligência ou do trabalho. É esse tipo de coisa que se responde a quem pergunta “De que se trata?”. De certa forma, o verbo se aproxima semanticamente do verbo “ser”, tomado no sentido de apresentar algo. Assim: “Trata-se de um trabalho de campo” equivale a “Este é um trabalho de campo”.

Do ponto de vista sintático, temos um verbo transitivo indireto (rege obrigatoriamente a preposição “de”), motivo pelo qual não admite voz passiva. A estrutura “trata-se de” é, portanto, invariável. O plural só se justificaria se o verbo tivesse um sujeito pluralizado que o levasse à concordância. A construção “trata-se de” não admite sujeito (seu sujeito é indeterminado), portanto incorre em erro que escreve coisas do tipo “O trabalho trata-se de uma pesquisa de campo” (sic) ou “Tratam-se de trabalhos de campo”.

A confusão com a voz passiva sintética (“Alugam-se casas” etc.) é o que leva algumas pessoas a escrever “tratam-se de”. Essa construção, todavia, não pertence à norma culta, tampouco ao uso popular. Abaixo, o fragmento corrigido:

Segundo o ministro da Saúde, trata-se de verdadeiros “cordões umbilicais”, sustentando a vida dos mineiros, tanto física quanto psicologicamente.

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