"Eu sou muito difícil para fazer amizades..."
"Eu sou muito difícil para fazer amizades..."
Alguns programas da televisão brasileira, como novelas, programas de auditório e minisséries, apresentam a linguagem cotidiana, desprovida de preocupações gramaticais. Num diálogo entre personagens de uma novela, um deles disse a frase "Eu sou muito difícil para fazer amizades...". Se houvesse a preocupação de construir diálogos dentro dos padrões cultos da língua portuguesa, a frase seria muito diferente da apresentada. Vamos à explicação:
As relações semânticas entre o verbo e o sujeito podem ser as seguintes:
- Se o verbo indicar qualidade do sujeito, sem que este pratique ação alguma ou participe ativamente de um fato, será denominado de verbo de ligação. São eles: ser, estar, parecer, ficar, permanecer, continuar. Por exemplo: As meninas estavam felizes; Estamos atentos; Esta matéria parece fácil; Eles continuam revoltados.
- Se o verbo indicar que o sujeito pratica ação ou participa ativamente de um fato, mesmo também indicando qualidade do sujeito, será denominado de verbo transitivo direto, de verbo transitivo indireto, de verbo transitivo direto e indireto ou de verbo intransitivo.
O que nos interessa hoje é o verbo de ligação. Em outra oportunidade, analisaremos os verbos transitivos e intransitivo.
O verbo de ligação geralmente indica como qualidade um adjetivo, que, em determinadas frases, pode ser difícil, trabalhoso, árduo, laborioso, custoso, penoso, duro, cansativo, estafante, dispendioso, fácil, simples, tranquilo, natural, necessário, essencial, indispensável, imprescindível, inevitável, forçoso, fundamental, obrigatório, entre outros. Quando o verbo de ligação (principalmente o verbo ser) estiver acompanhado de um desses adjetivos e mantiver relação semântica com outro verbo no infinitivo (terminado em ar, er ou ir), não poderá ter como sujeito uma pessoa (eu, tu, ele, ela, você, nós, vós, eles, elas ou vocês), e sim a coisa, representada pelo verbo no infinitivo. A pessoa que julga algo difícil, penoso... liga-se ao adjetivo por meio da preposição "a" ou "para". Devem-se, então, usar, com essas preposições, os pronomes mim, ti, si, ele, ela, você, nós, vós, eles, elas ou vocês. Se não usar a preposição, ligam-se ao verbo os pronomes me, te, lhe, nos, vos, lhes.
O adequado, então, é construir frases assim:
- "É difícil para mim..." ou "É-me difícil...", e não "Eu sou difícil para..."
- "É penoso para ele..." ou "É-lhe penoso...", e não "Ele é penoso para..."
A relação semântica do verbo estabelece-se com o verbo no infinitivo, que, sintaticamente, funciona como sujeito deste. O que é difícil? Resposta: fazer amizade. O sujeito não pode ser introduzido por preposição. A frase, então, deve ser assim estruturada: "É difícil para mim fazer amizade" ou "É-me difícil fazer amizades".
Aparentemente a frase "É difícil para mim fazer amizade" está inadequada, pois o trecho "...mim fazer..." soa estranho, não é mesmo? Só aparentemente, pois o pronome que representa a pessoa liga-se ao adjetivo por meio da preposição para, e não ao verbo fazer. Se invertermos a frase: "Fazer amizade é difícil para mim", e não "Fazer amizade é difícil para eu".
O mesmo ocorrerá quando usarmos os verbos custar, faltar, bastar e restar. Deve-se dizer:
- “Custou para mim aceitar a decisão" ou ”Custou-me aceitar a decisão", e não "Eu custei para aceitar a decisão" nem "Custou para eu aceitar a decisão".
- "Falta para mim gravar essa música" ou "Falta-me gravar essa música", e não "Falta eu gravar essa música".
- "Basta para mim ter você ao meu lado" ou "Basta-me ter você ao meu lado", e não "Basta eu ter você ao meu lado".
- "Resta para mim acreditar em suas palavras" ou "Resta-me acreditar em suas palavras", e não Resta eu acreditar em suas palavras.
A frase apresentada, então, deve ser assim estruturada:
"É-me difícil fazer amizades..." ou “É difícil para mim fazer amizades..."
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