O Bem Amado não se decide entre farsa e realidade
Adaptação cinematográfica da novela de 1973 chega aos cinemas nesta sexta-feira
Cena do filme O Bem Amado, de Guel Arraes
Farsesca ou realista? A versão cinematográfica para a telenovela global O Bem-Amado (1973), que estreia nesta sexta-feira, não se decide entre as duas possibilidades. Fica com uma mão em cada cumbuca desde o início até o final. O filme conserva o tom de farsa, um dos charmes da trama original do teledramaturgo Dias Gomes, ao recontar as peripécias do prefeito Odorico Paraguaçu (Marco Nanini), às voltas com a tentativa sempre frustrada de inaugurar o primeiro cemitério da fictícia cidade nordestina de Sucupira. Mas entremeia as cenas de comédia com referências à política brasileira real, em explicações didáticas sobre os governos de Jânio Quadros e João Goulart ou imagens dos comícios pelo fim do regime militar, nos anos 80.
A intenção é explícita: para seguir o espírito do filme, o espectador deve traçar paralelos entre Sucupira e o Brasil – o Brasil atual, não o de antigamente. Funciona em certas passagens, mas na maioria das vezes, não. O país que Dias Gomes queria satirizar nos anos 70 e, depois, nos 80 (quando foi ao ar na Globo uma série baseada na novela) era o da ditadura conduzida pelos militares (com a Censura em seus calcanhares, Odorico não podia passar de “coronel”) e fundada no moralismo e nos ditos “bons costumes”. Não são exatamente as pautas centrais do Brasil de 2010.
Essa contradição se manifesta em especial nas irmãs Cajazeira interpretadas por Zezé Polessa, Andréa Beltrão e Drica Moraes. Desapareceu o componente mais marcante e divertido das personagens de 1973, o fanatismo religioso que volta e meia era desmentido pelo desejo sexual que as três nutriam pelo prefeito. Na nova versão elas estão mais para vorazes dondocas consumistas, cujo puritanismo de fachada então fica sem razão de ser. Perdidas pelo meio do caminho, não parecem emblemáticas nem de um Brasil que já foi, nem de um Brasil que ainda é.
As três irmãs Cajazeiras da versão cinematográfica de O Bem Amado
São vários os atores do filme que, a exemplo de Zezé, Andréa e Drica, atuam com brilho, mas não conseguem resolver esse dilema e acabam mesmo assim pouco convincentes e/ou pouco engraçados: José Wilker como Zeca Diabo, Matheus Nachtergaele como Dirceu Borboleta, Tonico Pereira como o líder oposicionista Vladimir. Nanini é engraçado e convincente, mas apenas no terreno da farsa e caricatura, nunca como crítica ou sátira da política atual.
Entre os acertos da nova versão está a abordagem cáustica do papel da mídia nas tragicomédias da política. Além de político comunista, o Vladimir de Tonico Pereira é dono do jornal A Trombeta, e ao longo da trama se revela tão pouco confiável e sem escrúpulos quanto Odorico. Quando contrariado pelo prefeito, Vladimir se põe a bradar que o adversário “obstaculiza o livre exercício da imprensa”, de modo não muito diferente do que vive acontecendo por aí. O maniqueísmo, nesse caso, fica por conta do esqueminha do roteiro: governo é equivalente a direita e a conservadorismo, enquanto oposição é igual a esquerda e a imprensa, preto no branco, sem nuance.
As dualidades que não se resolvem fazem lembrar de um outra, bem conhecida de quem acompanha a produção cinematográfica da Globo Filmes (nesse caso, é uma coprodução com a Natasha Filmes e a Miravista). Até pela difícil missão de recriar personagens tornados clássicos na TV por Paulo Gracindo (Odorico), Lima Duarte (Zeca Diabo), Dirce Migliaccio (a caçula das Cajazeira) e outros, o filme oscila o tempo todo entre ser cinema e parecer televisão, ou vice-versa. Como telenovela, o novo O Bem Amado passa rápido demais, e deixa uma impressão de que nem passou.
Assista abaixo ao trailer de O Bem Amado:
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