quinta-feira, agosto 25, 2011

‘Onde está a felicidade?’, de Carlos Alberto Riccelli

O cinema brasileiro parece se reinventar nesse filme hilariante. Por Francisco Taunay

O cinema nacional foi praticamente extinto quando o governo Collor acabou com a Embrafilme, um mecanismo que, com todos os seus problemas, dava recursos e extrema liberdade aos realizadores para produzir e exibir seus filmes no Brasil. Desde a retomada nos anos 90, os filmes voltaram a ser produzidos através de um mecanismo diferente: a renúncia fiscal das empresas, que deixam de pagar uma porcentagem em impostos para patrocinar este ou aquele filme, através da lei do audiovisual.

Esta nova estrutura de fomento, que possibilitou o crescimento da indústria cinematográfica (diga-se de passagem, ainda incipiente), também afetou a estética dos filmes. Realmente aqui, temos uma diferença radical dos novos para os antigos filmes; é claro que houve uma mudança de tecnologia, e esta diferença é notável, principalmente no que diz respeito ao som. Mas como explicar o abismo que existe entre as produções de antes e depois da retomada?

Neste caso específico, uma metamorfose estética se deu a partir de uma transformação jurídico-econômica, estilo infraestrutura e superestrutura, como Marx preconizou em suas teorias: agora, não era mais uma comissão de artistas e intelectuais ou mesmo burocratas que criavam as possibilidades para a realização do filme, como na época da Embrafilme; agora todo o poder se concentra em torno dos diretores de marketing das empresas. Eles têm a capacidade de fomentar ou não uma produção, e até mesmo censurá-la, a partir da sua racionalidade técnico-administrativa. Eis que a mentalidade pragmática dos negócios e do mercado interfere diretamente na produção artística, no caso dos filmes e espetáculos no Brasil.

Uma prova deste movimento é o desaparecimento das chanchadas, um estilo cinematográfico definitivamente brasileiro, que, com sua linguagem desbocada e seu apelo erótico, foi definitivamente limada pelos executivos privados, uma vez que não pega bem associar a imagem de uma empresa ao ambiente nada asséptico e repleto de sexo deste estilo de cinema. O que temos hoje é uma onda de comédias estilo Globofilmes, filmadas em lugares impecáveis, sem nenhum ruído, nenhuma intervenção externa que dê um ar mais natural à película: É como se o filme fosse feito todo ele dentro de um shopping center, em um ambiente absolutamente controlado. Estes filmes não justificam a ida ao cinema, pois são um mero apêndice da televisão, da linguagem televisiva em que foram chocados.

Bom, fui ver este Onde está a Felicidade? já preparado para assistir mais uma bomba cinematográfico-televisiva, e fui sendo surpreendido aos poucos, ao me deparar com uma nova obra prima do cinema nacional; pode parecer exagero, mas não é. Este roteiro escrito por Bruna Lombardi e dirigido por seu marido Riccelli é uma comédia absolutamente fantástica, que diverte o público do início ao fim, literalmente às gargalhadas, com uma estética de cinema.
Mais do que isso, os palavrões e o apelo sexual, que fazem do filme uma ponte entre a antiga chanchada e a nova comédia brasileira, não ficam nada apelativos na boca de grandes atores como Bruna Lombardi, Marcello Airoldi, Bruno Garcia, a garotinha impagável Hanna Rosenbaum, e a deliciosa espanhola Marta Larralde. A estética estilo Almodóvar, com uma direção de arte nunca vista em filme nacional, junto com o uso de animações muito bem feitas e criativas, assim como planos e cortes originais, criam uma unidade que faz do filme uma obra totalmente respeitável; é cinema de verdade!

O filme é a estória de uma apresentadora de um programa de culinária que começa a desconfiar da traição do marido, um comentarista de futebol na televisão. Enquanto seu casamento desanda, seu programa acaba enquanto ela passa a ficar dependente de remédios tarja preta. Para tentar escapar de uma vida insuportável, Teodora resolve fazer o Caminho de Santiago, como forma de descobrir a espiritualidade. Ela vai juntamente com seu diretor, que pretende fazer um programa piloto sobre a sua viagem. No caminho, eles conhecem a espanhola Milena, e o filme se passa em torno das peripécias destes personagens em busca da felicidade.

Uma grande sacada do filme é o portunhol falado pelos personagens, que cria diálogos hilários, assim como o fato do filme se passar no Brasil e na Europa: em muitos momentos, ao som da música muito bem escolhida, conjugada com as paisagens, parece que estamos assistindo a um filme europeu. Mas não, apesar de ser cinema de verdade (podemos ver isso nos créditos, de acordo com o número de pessoas envolvidas nessa superprodução), é cinema brasileiro, da melhor qualidade.

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