Conheça histórias de quem ama o que faz
Salários baixos e condições de trabalho precárias não servem de justificativa para muitos educadores apaixonados – espalhados em creches, escolas ou faculdades Brasil afora – desistirem da carreira.
O iG ouviu relatos de professores que descobriram a beleza de ensinar e transformar vidas por meio da educação no exemplo de outros mestres ou de familiares. Ou ainda que encontraram uma chance de ser feliz na sala de aula, mostrando para os jovens que é possível mudar a própria realidade estudando. Confira as histórias de professores que comemoram com orgulho o seu dia, 15 de outubro.
Mais de 60 anos na sala de aula
A história de Francisca Maria Mendes Marques é rara. Aos 81 anos, continua exercendo a profissão que adquiriu aos 17. Não quer deixar de ser professora de jeito nenhum. Pelo menos, enquanto a saúde deixar. “Eu estou bem, graças a Deus. Se ele deixar, ainda fico aqui muito tempo. E se me demitirem, venho dar aulas de graça”, brinca entre gargalhadas.
Foto: Arquivo Pessoal
Francisca Marques (centro) inspirou as irmãs a se tornarem professoras. Aos 81 anos, ela não quer parar de ensinar
Filha de imigrantes italianos, Francisca se mudou de Itapira para Araras (ambas no interior de São Paulo) aos nove anos. Nunca conheceu o pai, que morreu em um acidente antes de seu nascimento. Criada pelo avô, que era professor, aprendeu cedo o gosto pelas letras e o valor da educação. De família pobre, foi ela quem iniciou a transformação social e financeira na família.
Com bom humor, ela lembra dos primeiros alunos, adultos que alfabetizava em uma escola rural. Francisca tinha então 17 anos. “Dei aulas em grupo escolar, ensino fundamental, ensino médio e agora na faculdade. Desde criança, queria ser professora. Fiz o magistério com a ajuda de muita gente. E sei que ajudei muita gente depois também”, conta orgulhosa.
Nas memórias de Francisca, há uma coleção de histórias de transformação. Depois de quase 60 anos dando aulas em Araras, muitas gerações passaram pelas salas em que ela lecionou. Quando encontra um ex-aluno bem sucedido na rua, sente-se realizada. “Não é muito legal? Tenho alunos de cabelos brancos por aí. Eles me encontram e comemoram. Tem melhor pagamento?”, pergunta.
Incansável, Francisca cursou letras, ciências sociais, pedagogia. Em 2000, fez mestrado em história, junto com a filha caçula. Agora, decidiu encarar outro desafio: está cursando direito no turno da manhã, decisão tomada após a perda de um filho. Ela ainda coordena o colégio técnico mantido pelo Centro Universitário de Araras, mesma instituição em que coordena as atividades de estágio das licenciaturas entre 14h e 22h30.
“É melhor estudar do que ficar em casa chorando. Estou adorando o curso. Três dos meus professores foram meus alunos. Isso me enche de orgulho”, enfatiza.
Tanta paixão e prazer pelo trabalho influenciaram a opção profissional de muita gente na família. As duas irmãs de Francisca, filhas do segundo casamento da mãe e mais jovens, se tornaram professoras também, assim como as três filhas e três sobrinhas.
De mãe para filha e para netaO envolvimento com a educação de Clélia Brandão Alvarenga Craveiro, 61 anos, começou dentro de casa. Muito antes de pisar pela primeira vez em uma sala de aula como estudante, Clélia já era íntima de uma escola, o local de trabalho da mãe. Hoje integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE), Clélia conta que a escolha por pedagogia foi natural. Além da mãe, outras tias também lecionavam.
Foto: Arquivo Pessoal
Três gerações de professoras: a paixão pela sala de aula passou de mãe para filha na família de Clélia Craveiro, do CNE
“Na minha época, as mulheres tinham duas opções: direito ou pedagogia. A maioria optava pelo magistério. Mas, além disso, tinha o meu temperamento. Dava aulas para a meninada da vizinhança inteira desde pequena”, conta. “Não teria outra profissão que me realizaria tanto. Queria servir as pessoas e descobri com o magistério a possibilidade de não envelhecer, porque aprendo sempre”, diz.
O gosto pela profissão fez de Clélia uma militante em defesa do ensino. Da educação básica ao ensino superior, a goiana da cidade de Inhumas ocupou diferentes cargos: coordenadora, diretora, reitora, conselheira. Mas nunca deixou de dar aulas. “O contato com a sala de aula é o que nos dá a capacidade de compreender melhor o processo educativo”, afirma.
Tanta paixão já contaminou mais uma geração na família: a filha de Clélia, Fernanda Alvarenga Craveiro, 31 anos. Embora formada em administração e tendo sempre exercido a função de consultora, entregou-se ao gosto pela sala de aula quando chegou na pós-graduação. “Acho que estava tão intrínseco à minha vida que simplesmente aconteceu”, brinca. “Esse era um meio muito familiar para mim”.
Fernanda, que dá aulas em uma faculdade e coordena um núcleo de ensino à distância, admite que não pretende viver exclusivamente das aulas. Por isso, mantém sua consultoria, mas garante que a sala de aula é fascinante. “Essa paixão da minha mãe pela educação me contaminou. E o desafio de não saber o que acontecerá em cada aula me motiva”, garante.
De corretor de seguros a professorUlisses Araújo trocou carreira estabilizada como sócio em uma corretora de seguros e um salário de quase R$ 20 mil por mês para cursar pedagogia e ser um professor. A família quase enlouqueceu quando ele contou a “novidade”, ainda com 20 e poucos anos. Hoje, aos 48, tem certeza de que não poderia ter feito escolha melhor. Encontrou a realização profissional na sala de aula.
Foto: DavidSantosJr/Fotoarena
Ulisses Araújo deixou uma carreira lucrativa para fazer a faculdade de pedagogia e dar aulas. Hoje dá palestra a outros professores
“Estou preso à ideia de que a educação tem um papel de transformação da sociedade, de construção da justiça social e promoção da igualdade. Eram valores que carregava comigo desde cedo. Desde os 15 anos, participava de projetos sociais, que nunca abandonei, mesmo trabalhando. E eles me davam muita satisfação. Trabalho nesse sentido e me encontrei como professor”, garante.
O goiano Ulisses foi aprovado no vestibular de dois cursos quando terminou o ensino médio, administração e direito. O primeiro cursou por dois anos. O segundo, durante quatro. Como trabalhava desde o ensino médio, quando desistiu de se tornar um advogado, ouviu críticas da família, mas ninguém pode impedi-lo de abandonar o curso só para trabalhar. “Era independente. Mas todo mundo achava que eu estava louco”, conta.
Depois de alguns anos, durante um processo de terapia, Ulisses descobriu que o trabalho como corretor não era para ele. Aos poucos, a pedagogia apareceu como alternativa de vida. “Eu precisava de uma profissão que me mantivesse vínculos sociais com possibilidade de mudar o mundo”, diz.
Após três anos, se formou. Na sequência, já começou um mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e logo depois, o doutorado. Atualmente, é professor da Universidade de São Paulo (USP). “Hoje existe o maior reconhecimento da minha decisão. Passei a ser o orgulho da família e estou muito feliz”, afirma.
Quando jovem ensinava idosos. Idosa, ensina criançasAos 25 anos, Elza Zacharias Scartezini, começou a carreira de professora pelo antigo supletivo. Alfabetizava principalmente idosos em Limeira, no interior de São Paulo. “A maior parte dos alunos nunca tinha tido oportunidade de ir à escola e eu, novinha, ensinava gente com a idade da minha avó a ler e escrever”, lembra.
Foto: ARQUIVO PESSOAL
Elza aos 68 anos com os alunos de 3ª série, depois de se aposentar como alfabetizadora de adultos
Quando se aposentou no emprego no Serviço Social da Indústria, aos 50 anos, ainda se sentia muito jovem e cheia de energia. Então, arrumou outro público para ensinar: crianças de nove anos. “Passei em um concurso estadual e, desde então, escolho quase sempre uma 3ª série. Dou aula de tudo para eles, até educação física. Geralmente, entro no time que está perdendo para equilibrar”, conta, agora com 68 anos.
Elza é titular de uma classe do período matutino, mas fica à disposição para substituir colegas que precisem faltar à tarde e acaba trabalhando os dois períodos cerca de duas vezes por semana. “Minha única preguiça é me aposentar. Vou ser obrigada por idade, mas não queria.”
Em uma caixa grande, ela guarda todos os bilhetes de alunos que acumulou em 44 anos de magistério. “Se tiver que parar mesmo, pretendo escrever minhas memórias e são todas com passagens engraçadas e que me dão muito orgulho dos meus alunos de 8 a 80 anos.”
Inspiração na escolaO sonho de se tornar uma professora começou na infância de Elisabete Tieko, 39 anos. Nascida na cidade de Dracena (São Paulo), ela estudou a vida toda na capital paulista. Guarda com muito carinho a imagem dos professores que teve ao longo da vida. “Achava a profissão belíssima desde pequena. Ficava enfurecida com os colegas que falavam mal das professoras. E eles me achavam puxa-saco”, brinca.
Uma professora de português, na 5ª série, foi uma de suas maiores inspirações. Até hoje, Elisabete mantém contato com ela. “A Marlene sempre me incentivava. Ela percebia que eu gostava muito de escrever e de ler. Depois, no ensino médio, outra professora de química me marcou muito. Ela também me deu forças para seguir a carreira. Tive professores maravilhosos na minha vida”, diz.
Professora de português e inglês, ela trabalhava dia e noite. Dá aulas para todas as séries do ensino fundamental e do ensino médio na rede pública de São Paulo. “O que me mantém nas salas são os meninos que querem mudar de vida, se interessam em aprender e reconhecem meu trabalho”, admite
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