sexta-feira, julho 03, 2009

DEUS, UM DELÍRIO?

PARATY – Ao invés de protestos, aplausos. Na ponta da língua, frases de efeito como "aproveite sua vida, ela é uma só". Foi assim, munido de um sorriso largo e argumentos claros, que o biólogo britânico Richard Dawkins conquistou o público da Tenda dos Autores, na última palestra desta quinta-feira (02), apresentada pelo curador Flávio Moura como um "momento histórico". Além de citar com frequência o bicentenário de Charles Darwin e os 150 anos de “A Origem das Espécies”, o cientista, como não podia deixar de ser, abordou também o nome da mesa, batizada como “Deus, um delírio” em razão de seu best-seller, que busca refutar a necessidade e o suposto bem imposto pela religião.

Em sua cruzada contra Deus – o livro já foi publicado em 31 países –, Dawkins varreu o mundo, mas, ao contrário do que se poderia esperar, encontrou, segundo ele, mais apoiadores do que detratores, que, claro, também existem aos montes. “Viajei muito pelos Estados Unidos divulgando o livro, inclusive pelo chamado ‘cinturão da bíblia’, e encontrei plateias enormes, entusiasmadas. Há muitos ateus no ‘armário’, que não sabem o que fazer. Em Oklahoma, três mil pessoas olharam ao redor e perceberam que não estavam sozinhas.”

Sem adotar o tom virulento que eventualmente permeia o livro, Dawkins não foi agressivo em nenhum instante contra a religião, optando pelo humor. “Uma vez, quando participava de um programa de rádio norte-americano, um ouvinte ligou afirmando que se ele não tivesse medo de Deus, mataria seu vizinho”, afirmou, lembrando a alegada exigência moral da existência divina. “Bem, eu não levo isso a sério. Como se quando Moisés tivesse vindo com os 10 mandamentos da montanha, o povo dissesse: ‘Hmm, não matarás. Olha, até que é uma boa ideia’.”

Respondendo a perguntas do jornalista Silio Boccanera, que teve excelente desempenho no palco, o biólogo ainda defendeu o pecado moral que é doutrinar uma criança. Para Dawkins, que escreveu uma carta aberta sobre isso à filha quando ela tinha 10 anos, é preciso crescer para decidir e estimular o pensamento crítico. No texto, o cientista argumenta que a única boa razão para acreditar em alguma coisa são evidências. “Não existe criança islâmica, protestante ou católica, mas sim uma criança com pais católicos, por exemplo.”

Um tema que especialmente tira Dawkins do sério é o criacionismo, teoria bíblica de que o mundo foi criado em seis dias, há seis mil anos (no lugar da estimativa de 4,6 bilhões), e que ainda é ensinada como verdade em algumas escolas. “Antropólogos dariam milhares de histórias de origem do mundo, recheadas com beleza poética muito maior do que a da bíblia. Ensinar algo assim é monstruosamente errado.”

Mesmo assim, defendeu a validade da leitura da bíblia, como um modo de aprender história e aprender a origem de algumas expressões. “A bíblia é uma ótima literatura, assim com as lendas dos deuses gregos, elementos de nossa história cultural.”
Com relação à influência de Darwin na política e na sociedade, disse que é uma interpretação equivocada da teoria da seleção natural, segundo a qual os fortes devem vencer os fracos, sem qualquer piedade. Para Dawkins, é preciso aprender o darwinismo para evitar aplicá-lo em nossa vida. “Nós vamos contra a natureza, o que torna nossa espécie única.
Nossos cérebros ficaram tão grandes que somos capazes de nos rebelar de nossa herança genética”, garantiu.

Em uma conversa que ainda debateu a origem da consciência e a contínua evolução do homem, o biólogo explicou que, na ausência de Deus, do ponto de vista científico o sentido da vida é a propagação do DNA. Por outro lado, disse que cada um cria seus próprios objetivos, seja compor uma música, jogar futebol ou cuidar bem dos filhos. “Se analisarmos as probabilidades, das chances de certo espermatozóide entrar em determinado óvulo e assim por diante, é incrível que estejamos aqui. Isso que faz nossa vida ser tão valorizada. Não a desperdice, ela é a única que você vai ter”, disse, enfático, aclamado pelo público.

Provocado se tinha medo da morte, Dawkins deu o troco afirmando que não tinha interesse em chegar ao processo de morrer, já que, ao contrário de nossos animais de estimação, não teria o direito de “ir ao veterinário e tomar uma injeção indolor” para acabar com seu sofrimento. Mesmo assim, disse que ficaria desapontado de não poder continuar amando a vida. E se, no fim das contas, ele encontrasse Deus do outro lado, o que perguntaria? “Provavelmente ‘qual deus é você?’ e em seguida algo como já afirmou Bertrand Russel: ‘não há evidências suficientes, Deus’.”

A programação de sexta-feira começa com mais uma homenagem a Manuel Bandeira, na mesa de Angélica Freitas e Eucanaã Ferraz, prossegue com o debate do afegão Atiq Rahimi e Bernardo de Carvalho, passa pelo aguardado bate-papo do mexicano Mario Bellatin e Cristovão Tezza, e termina com um dos momentos mais esperados desta Flip – a presença de Chico Buarque com, de quebra, Milton Hatoum.

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