domingo, abril 01, 2012

Uma vida ao lado de Chico Anysio

Fonte:  Artur Xexéo 


Passei a vida toda me divertindo com Chico Anysio. Literalmente. Eu não tinha completado ainda 10 anos de idade, quando conheci Valentino, o personagem que ele interpretava, todo sábado à noite, na TV Rio, na “Praça da Alegria”. Valentino era um garoto ingênuo que não percebia as investidas de Lolita (a vedete Mara Di Carlo), uma menina da sua idade, mas muito mais esperta. Quando chamavam a sua atenção para o fato de ele estar sendo assediado pela garota, Valentino desconversava dizendo "Eu sou criança, eu não sou de nada". E encerrava o quadro — era asim que a gente chamava os esquetes naquele tempo —, fazendo voar seu aviãozinho de brinquedo, ao mesmo tempo em que dizia o bordão “Lá vai o Caravelle.”

Era uma graça infantil que, não por acaso, transformou Chico Anysio em ídolo da garotada daquele tempo. Não demorou muito tempo para eu descobrir que, além de grande comediante, Chico Anysio também era mágico. Porque era pura magia o que ele fazia, agora nas noites de domingo, no “Chico Anysio Show”. Chico já fazia mais de um personagem, nas noites de terça-feira, no programa “Eta Nordeste da peste”. Mas, no show de domingo, era um escândalo. Em uma hora de programa, ele mostrava mais de uma dezena de
personagens. Mais mágico ainda: muitas vezes, um dos personagens contracenava com outro. Como é que podia? Chico Anysio, ao lado do diretor Carlos Manga, foi o primeiro artista brasileiro a ver as possibildades do videoteipe, uma novidade da época. E nós fomos ficando íntimos do Alfacinha (“Antonio Alfacinha, aqui está meu cartão”), do Santelmo (“tem que ser que nem que eu sou: durão”), do Seu Urubulino e, principalmente, do Coronel Limoeiro, aquele que nunca percebia que era traído pela mulher, Maria Tereza (Zelia Hoffman): “Maria Tereza? Isso me ama!”

Já estava mais grandinho quando conheci outra faceta de Chico, a do ator de teatro. Se na televisão ele se desdobrava em muitos personagens de características completamente distintas, ele nos atraía ao teatro mostrando-se diferente: de cara lavada, sem figurinos, sem mudanças de voz. Era humor em forma pura. Não foi Chico quem inventou a "stand up comedy" no Brasil. José Vasconcelos tinha chegado antes. Mas enquanto Vasconcelos era mais gaiato, investindo num humor popular, Chico sofisticava a graça em suas apresentações teatrais. Era sensacional. Não foi por acaso que a "stand up comedy" custou a pegar por aqui. Na ocasião, por sinal a gente nem chamava o gênero desta maneira. Era "one man show". A língua portuguesa sempre foi muito criativa. Mas com um modelo como Chico Anysio, era muito arriscado enfrentar o gênero. Só outro gênio da comédia, Jô Soares, foi pelo  mesmo caminho. O padrão de "stand up" deixado pela dupla era alto demais para ter seguidores.

Desde “Chico Anysio só”, o primeiro de seus espetáculos, foram muitas as temporadas de Chico no já extinto Teatro da Lagoa. E sempre com casa lotada. Foi mais ou menos o humor que fazia no teatro que Chico levou para seu quadro no “Fantástico”, que também ficou muitos anos em cartaz.

Já adulto, continuei admirando Chico na “Escolinha do professor Raimundo”. O professor nunca foi meu personagem favorito, mas era um exemplo da genorosidade do ator. O personagem não tinha muitas piadas. Ele servia como escada para a inacreditável turma de comediantes que representava seus alunos. E ali a minha geração tinha a chance de reencontrar alguns de seus ídolos da infância como Ary Leite, Zezé Macedo, Antônio Carlos, Nádia Maria, Walter D’Ávila, Nélia de Paula, Costinha... Enquanto a “Escolinha” esteve no ar, não houve um só comediante brasileiro desempregado.

A profissão de jornalista me deu oportunidade de conhecer muitos dos meus ídolos. Chico foi um deles. Trabalhava numa revista semanal, quando ele viveu uma de suas inúmers temporadas de sucesso com esse ou aquele personagens de um dos muitos shows que comandou na Rede Globo. O personagem da ocasião era o preguiçoso Painho, o pai de santo baiano que sofria de “dor nos quartos”. A revista resolveu dar uma capa para ele. E lá fui eu entrevistar Chico, além de acompanhar a gravação de um de seus programas. O ator me recebeu em sua casa depois de uma jornada de trabalho que incluiu, além da grava-
ção do programa, os arremates num livro e os preparativos para uma turnê com um dos espetáculos teatrais que fazia sozinho.

Chico tinha o defeito de ser criativo demais. Ele elaborava roteiros de cinema, escrevia romances, compunha canções, era dramaturgo, atuava em filmes, fazia crônicas... tudo isso sem se esquecer do jeito, da voz, da postura dos seus 154 personagens — alguém sabe mesmo quantos ele criou? —, pois volta e
meia ressuscitava um ou outro.

Chico nunca foi só um. E não estou falando apenas dos seus muitos personagens. A cada morte, o mundo comprova a máxima de que ninguém é insubstituível. Mas agora é preciso abrir uma exceção. Ninguém é insubstituível. A não ser Chico Anysio.

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