Rio de Janeiro também é dos screamos, emos, strondas e otakus
Anderson Dezan, iG Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, terra do samba, das praias e do futebol. A afirmação não deixa de ser verdade, mas é bobagem achar que uma metrópole com oito milhões de habitantes possa ser definida tão facilmente. Na verdade, a cidade que se orgulha do sobrenome “Maravilhosa” possui outras facetas menos ensolaradas e também pode ser a terra da noite, do rock, dos screamos, strondas e otakus. Quem?!Estranhas aos ouvidos da elite da zona sul carioca, essas tribos de adolescentes são formadas por jovens da zona norte ou de municípios próximos, como São Gonçalo. A maior concentração deles, com cerca de 500 adolescentes, acontece todo sábado à noite nos fundos do estacionamento de um shopping da zona norte do Rio onde eles conversam, paqueram e fazem amizades. O encontro – originado no Orkut – é intitulado por eles como “Orkontro Alternativo da Zona Norte”. O iG Jovem foi atrás e achou a galera.
O local é inusitado. Trata-se de uma rua projetada para a saída dos carros que estacionam no shopping. Com a expansão da área, foi construído ao lado um complexo com três supermercados. Resultado: os jovens ficam entre os fundos do shopping e a saída de carga e descarga de um dos supermercados. Com um visual árido e sem nenhum policiamento, chamar o espaço de “underground” é pouco.
De acordo com o moderador da comunidade no Orkut onde tudo começou, Anderson “Shadow”, de 27 anos, as primeiras costumam chegar por volta das 17h e as últimas deixam o local após a meia-noite. “Esse é o maior Orkontro do Rio, acho que até do Brasil. A proposta é promover uma reunião de diversas tribos alternativas para que elas se unam e se divirtam. Se você for procurar algum lugar que reúna todas essas pessoas, não acha”, diz o moderador da comunidade, que já conta com quase três mil jovens.
Unidos pelo preconceito
Com roupas de diversos estilos, as tribos vão desde as mais conhecidas, como emos, metaleiros e grunges, até outras mais atípicas, como j-rockers, strondas, playssons e screamos. Com idade entre 15 e 25 anos, na maioria estudantes, os frequentadores afirmam que vão ao encontro para ver pessoas com gostos parecidos, que não os tratam com preconceito. Mesma razão alegada por diversos jovens gays – meninos e meninas – que também marcam presença nos encontros.
“O local é estranho, mas aqui foi o lugar onde mais me identifiquei”, avalia a jovem L. A., de 15 anos, que frequenta o Orkontro desde 2008. “Porque venho pra cá, me chamam de drogada ou sapatão. Alguns jogam água na gente, enquanto estamos no nosso canto fazendo nada de errado”, completa a menina, que se declara heterossexual e se autodenomina uma roqueira fanática pela banda canadense Simple Plan. “As músicas deles são lindas e tocam fundo na alma”, derrete-se.
A vontade de fugir da discriminação também levou ao encontro A. C. L., de 15 anos, convidada por um amigo. Bissexual, a estudante confessa que os pais não sabem que ela frequenta o local. “Prefiro não dizer que venho pra cá. Minha mãe não gosta. Mas eu venho ver meus amigos”, relata. “Tem gente que fala que minha roupa é de cemitério e que eu pareço um corvo. Isso é horrível! Aqui nunca aconteceu isso”, relembra a emo assumida, fã da banda Fresno. “Os emos costumam ficar tristes facilmente”
Ao contrário de A. C., a também estudante A. Y., de 16 anos, afirma que seus pais sabem que ela frequenta o orkontro e, inclusive, apóiam seu estilo – j-rock, tribo ligada ao rock do Japão. Com a sobrancelha raspada, piercings embaixo do lábio e um chaveiro pendurado no lóbulo da orelha – “foi a única coisa que achei para alargá-la. Dói mais ou menos. O pior foi na hora” –, a jovem diz não ligar para quem acha estranho o seu modo de se vestir.
“Algumas pessoas têm preconceito com meu visual, mas são aquelas que não conhecem. Outras morrem de curiosidade e vêm até mim para saber um pouco mais sobre o j-rock. Aqueles que me ignoram, nem chegam perto. Mas não me importo com isso”, conta a adolescente, fã da banda japonesa The Gazette.
Paquera no ar
Se fazer novas amizades e não sofrer preconceitos atrai os jovens para o encontro, o clima de paquera também é ponto crucial para a ida ao local. Em uma rápida circulada entre os adolescentes, é possível ver diversos casais héteros e gays pelos cantos com conversas e risinhos ao pé do ouvido, ou se beijando.
“Frequento aqui há quase dois anos. É um local onde você encontra uma galera que curte rock. Além disso, tem várias garotas bonitas”, diz William Soares, de 18 anos. Com franja comprida jogada na testa, o estudante se classifica como um membro da tribo screamo. “É uma evolução do emocore, que hoje já é passado. O screamo é uma parada com mais pegada, um hardcore mais gritado”, explica. Ao ser perguntado se o estilo faz sucesso com as garotas, uma menina ao lado com cara apaixonada antecipou-se: “Sim!”. Restou a ele concordar. “É, faz”, gaba-se, rindo.
O também screamo A.R., de 16 anos, é outro indício de que só sai sozinho dali quem quer. Frequentador do local há cerca de um ano, ele se gaba de ter atingido a marca de dez namoradas no Orkontro. O número, no entanto, tem uma ressalva: “Todas foram decepção. Só uma que não... A gente se gostava, mas não deu certo. Ficamos juntos por seis meses. Ela vinha aqui, mas agora deu um tempo. Estou à procura de um novo amor”, suspira o fã da banda Escape The Fate.
A galera gay também faz a festa. O estudante B. M., de 16 anos, conta que conheceu no encontro um menino com quem namorou por um ano e seis meses. “Começamos a sair várias vezes, rolou uma química e resolvemos namorar. Terminamos há cinco meses, mas ele ainda mexe muito comigo”. Para o jovem, o encontro de um novo amor na reunião aos sábados não está nos seus planos. “Não tenho procurado nenhum relacionamento aqui porque as pessoas que têm aparecido não querem compromisso. Só querem pegação e eu quero algo sério”, reclama.
“Realidade paralela”
Frequentador do Orkontro há quase dois anos, Gil Dias, de 21 anos, viu na reunião uma possibilidade de se divertir e ganhar dinheiro ao mesmo tempo. O jovem montou no local uma barraquinha onde vende acessórios de rock, como cordões, pingentes, pulseiras, camisas e brincos. “Acabei juntando o útil ao agradável: ganhar dinheiro e pegar as menininhas”, confessa.
O rapaz, que se diz metaleiro, não divulga o valor que ganha por sábado, mas destaca os objetos mais procurados: a pulseirinha do sexo (R$ 2) e um cordão com formato de soco inglês (R$ 7). Para o jovem, o clima de amizade entre pessoas tão diferentes garante o sucesso das reuniões.
“É como se saíssemos do mundo real. O encontro vira quase que uma realidade paralela. Quem está aqui pode ser o que quiser. Realmente, este não é um local muito bonito. Aqui não tem muitas árvores e nem flores, mas é onde o pessoal se identifica e vem”, avalia o fã da banda Massacration. “Ninguém chega e diz: ‘sai daqui, seu escroto’. O clima é de paz, do tipo: ‘você está sozinho? Fica aqui com a gente’”, resume.
QUEM É QUEM?
Seus amigos começam a falar de emos, screamos, strondas e você não entende nada? Não se sinta deslocado. O iG Jovem preparou para você um pequeno manual sobre essas tribos cada vez mais comuns no Rio de Janeiro.
Emos – São mais emocionais, gostam de assumir que choram pelos cantos. Gostam de rock, mas tendem a ter uma influência musical mais emocional. Escutam músicas mais depressivas. Emos se assemelham aos góticos, mas não são sombrios como eles. Bandas preferidas: Fresno, NX Zero, Simple Plan e Paramore.
Screamos – Emos mais hardcore, revoltados. Eles não se acham tão emotivos. Os screamos se classificam como uma evolução dos emos, que seriam ultrapassados. Banda preferida: Escape The Fate.
Otakus – Pessoas que gostam de animes ou mangás, os chamados desenhos japoneses. Elas adoram eventos, como os concursos de Cosplay. Nesses encontros, seus frequentadores se vestem como personagens de desenhos japoneses e de games. Artistas favoritos: Galneryus e Sex Machineguns, entre outras bandas japonesas.
Strondas – Garotos arrumadinhos, com o estilo do antigo playboy só que com franja jogada no rosto. Geralmente usam toucas. Antigamente eles eram chamados de playssons. Artistas favoritos: Forfun, MC Fox e Bonde da Stronda.
Cocotas – O termo é antigo, mas hoje no Rio ele designa as meninas que gostam de namorar strondas, os antigos playssons.
J-Rockers – São os fãs de bandas de rock vindas do Japão. O estilo deles também é chamado do visual kei. Geralmente utilizam roupas e maquiagens elaboradas e extravagantes. Artistas favoritos: The Gazette, Guitar W.
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