domingo, abril 04, 2010

Cinema brasileiro investe no público adolescente em 2010

iG São Paulo

“Malhação” pode estar há 15 anos na televisão, bandas teen vendem milhares de discos desde sempre, mas os adolescentes brasileiros nunca tiveram espaço cativo no cinema. Pois isso está prestes a mudar: nada menos do que três filmes de olho nesse público entram em cartaz este ano, o primeiro deles na próxima sexta-feira (02). Dirigido por Esmir Filho, que por um bom tempo ainda deve carregar o crédito pelo vídeo “Tapa na Pantera” colado no nome, “Os Famosos e os Duendes da Morte” lança um olhar sobre a adolescência contemporânea, mas de uma forma bem diferente do que se costuma ver.

A adaptação da obra de Ismael Caneppele, que também atua no filme, se passa em um município de colonização alemã no interior do Rio Grande do Sul. Apesar da distância das grandes cidades, a história aborda os dramas da passagem para a vida adulta de forma universal, em especial seus fantasmas, perdas e melancolia. “As palavras jorram sentimentos e trazem à tona o conceito de ser adolescente no sentido mais dolorido da palavra, quando a gente se sente parte de um mundo que acredita não pertencer”, afirma Esmir, se referindo ao livro.

Só que esses jovens são contemporâneos e, assim como todos os outros, usam a internet para se sentir parte de algo maior. O personagem sem nome de “Os Famosos”, no caso, usa o apelido de Mr. Tamborine Man, uma referência à sua paixão por Bob Dylan. “Dessas cidadezinhas, eles se conectavam com o mundo”, conta Esmir. “Baixavam músicas e filmes, tinham acesso a blogs, fotologs, flickrs, YouTube. Eram antenados, conheciam o mundo através dessa janela. E, ao mesmo tempo em que isso parece libertador, é também claustrofóbico viver dentro de uma pequena cidade, onde parece que o mundo acontece do outro lado do mundo.”

Pode parecer triste demais, mas essa realidade interessou a Warner Bros desde o início: o estúdio é coprodutor e distribuidor do filme, que inicialmente estreia em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Bem-sucedido em festivais – foi vencedor do Festival do Rio e acumula diversos prêmios internacionais –, “Os Famosos” vai passar agora pelo crivo do público. É uma etapa inédita para o diretor, que estreia em longa-metragem. “A gente não sabe o que esperar, porque é uma pegada nova no cinema brasileiro, feita de sutilezas”, explica. “Os adolescentes vem me falar que se identificam muito, até porque não procuramos explicar nada. O que me surpreendi foi que pessoas de várias idades também se identificaram, pelo vínculo emocional.”

Segmento estava “quicando” no mercado

Mais fácil é a tarefa de “As Melhores Coisas do Mundo”, de Laís Bodansky (“Chega de Saudade”, “O Bicho de Sete Cabeças”). Partindo da série de livros “Mano”, de Gilberto Dimenstein e Heloísa Prieto, o roteirista Luiz Bolognesi manteve algumas características – uma família de classe média, com pais intelectuais, na zona oeste de São Paulo –, mas foi a campo conhecer como eram os jovens de hoje e o que eles queriam assistir. A equipe foi a sete colégios particulares da capital paulista e debateu cada parte da história, inclusive o que não devia ser feito.

Divulgação

Pôster do fime foi escolhido pelo público

“Eles diziam: ‘pelo amor de Deus, não vai fazer um filme sobre drogas. Todos os filmes feitos para nós ou são bobagens, besteirol, ou então é um filme super problemático sobre uma geração perdida nas drogas e no sexo’”, lembra Bolognesi. “Melhores Coisas” segue, portanto, por um caminho bem mais tradicional ao contar os dilemas de Mano (Francisco Miguez), 15 anos, que se vê às voltas de intrigas na escola, a vontade de tocar Beatles no violão, o grêmio estudantil, problemas na família e o sexo. Os atores principais foram escolhidos entre 2,5 mil candidatos graças a outra exigência notada nas entrevistas. “Eles falavam para não botar gente mais velha fingindo que é adolescente porque sabiam que não era. Tinha que ter 15 anos, faz toda diferença”, comenta Laís.

O projeto, mais uma vez, veio de uma iniciativa da Warner, em parceria com a Gullane, produtora de destaque no cenário nacional. “Há algum tempo vínhamos procurando projetos para o público adolescente, era algo que estava quicando no mercado”, defende um dos sócios da empresa, Fabiano Gullane. “Quase 70% dos ingressos vendidos no mundo são para consumidores de até 24 anos. O Brasil reflete essa tendência mundial. O público daqui é muito bem assistido de produções americanas, internacionais, mas não brasileiras. Foi nesse segmento que a gente resolveu investir.”

E não foi pouca coisa. “Melhores Coisas” tem orçamento de R$ 7 milhões e, apesar dos protagonistas desconhecidos, conta com um elenco de peso – Denise Fraga, Caio Blat e Paulo Vilhena são alguns dos nomes. Sem contar a presença de Fiuk, que interpreta o irmão do personagem principal. Um dos astros de “Malhação”, o filho do cantor Fabio Jr. ainda é vocalista da banda Hori e deve atrair sozinho boa parte dos espectadores (as).

Ligado nas mídias sociais, o filme teve o nome e o cartaz decidido por internautas. A presença forte na web é apenas uma das ferramentas para se aproximar do público alvo. “A internet é o ambiente em que toda essa moçada está. Além disso, uma grande campanha está trabalhando muito bem as outras áreas de lançamento, como os cinemas e TV”, diz Fabiano. A aposta é alta: “As Melhores Coisas do Mundo” estreia no dia 16 com 150 cópias em todo o País, número elevado para uma produção nacional.

Boca a boca

Não é o caso de “Antes que o Mundo Acabe”. Mesmo que o longa tenha semelhanças no título e também seja dirigido por uma mulher (Ana Luiza Azevedo), a ligação com “Os Famosos e os Duendes da Morte” é bem maior. A começar pela trama, também situada em uma pequena cidade do Rio Grande do Sul. E, pelo menos por parte dos realizadores, não ter um explícito interesse comercial.

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"Antes que o Mundo Acabe" estreia em maio, primeiro na região Sul

A história, mais uma vez, é baseada em um livro, escrito por Marcelo Carneiro da Cunha, muito trabalhado nas escolas gaúchas. Daniel está no ensino médio e, de uma hora para outra, precisa aprender como lidar com o chute que levou da namorada e com as cartas que o pai que nunca viu começa a lhe mandar do exterior. A produção venceu seis prêmios no Festival de Paulínia, incluindo melhor direção e o prêmio da crítica.

Ana Luiza afirma que o filme foi muito bem recebido até agora nas sessões exclusivas para adolescentes e professores, inclusive no Rio e São Paulo. “A reação tem sido bárbara, tenho ficado muito entusiasmada. É uma história urbana, apesar de se passar em uma cidade do interior, porque são conflitos que qualquer adolescente tem”, explica. “Mas não acho que seja só para adolescentes. Os adultos se emocionam muito, por lembrar aquela fase da vida.”

Mesmo assim, a tarefa não deve ser fácil. Distribuído pela Imagem Filmes, “Antes que o Mundo Acabe” vai estrear em maio primeiro em Porto Alegre e Florianópolis, para depois viajar para outras capitais. A diretora acredita que o filme possa emplacar, mas não deve ser tão fácil.

“Acho que é sempre uma incógnita”, afirma. “Por um lado o público adolescente é enorme, mas por outro é um desafio fazer com que vá assistir a um filme brasileiro. É um filme que, sim, pode chamar gente para o circuito, só que o mercado tem que dar tempo para as pessoas perceberem isso. Não há mais espaço para o boca a boca. Se o filme não emplaca na primeira semana, está fadado ao fracasso. Espero que isso não aconteça.”

* Com reportagem de Orlando Margarido

Assista ao trailer de "Os Famosos e os Duendes da Morte":


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