quarta-feira, outubro 19, 2011

Um novo discurso para o jovem leitor

Yuno Silva - repórter

No final da década de setenta, quando a reforma educacional resolveu unificar o estilo de provas e incluir literatura no vestibular, iniciou-se um processo de desconstrução para formação de leitores e atingiu em cheio as novas gerações. Desde então, o segmento literário brasileiro nunca mais foi o mesmo, e a leitura passou a ser imposta nas escolas como algo à parte da formação intelectual dos estudantes - fato que mandou às favas o prazer em ler.

Aldair DantasPara Mário Prata, estão formando uma legião de não leitoresPara Mário Prata, estão formando uma legião de não leitores
Esse é o entendimento do escritor, dramaturgo e jornalista Mário Prata, que passa a semana em Natal onde participa de dois eventos literários, a FliQ e o Ação Potiguar de Incentivo à Leitura, iniciativa do selo editorial Jovens Escribas - iniciativa que busca justamente encurtar essas distâncias entre leitor e livro, levando escritores para dialogar com estudantes nas escolas. Para o autor mineiro, "enquanto houver literatura no vestibular, não haverá leitura. Desde 1967, quando fiz vestibular para Economia,  estão formando uma legião de não leitores ao tratar literatura da mesma forma técnica que tratam o estudo de Física, Biologia e Matemática. Vira uma obrigação descartada logo que o aluno é aprovado", aposta.

"Como a literatura entrou nessa jogada durante o ditadura Militar, optou-se pelos clássicos que não apresentavam riscos ao regime. Clássico só é bom no futebol", diverte-se sem deixar de falar sério. "E não tenho a menor dúvida do que estou falando!", garante. "Há tempo para tudo, até para os clássicos", emenda.

Prata, que abre oficialmente o projeto de Incentivo à Leitura nesta quarta-feira, às 19h, na Assembleia Legislativa, durante bate-papo com o escritor e poeta potiguar Nei Leandro de Castro, lembrou que o Brasil não é um país de leitores por causa do "erro histórico incorporado pelo projeto pedagógico que indica os livros certos na hora errada aos estudantes. Hoje as coisas estão na internet, inclusive resumos de livros, e o sistema educacional está demorando para acompanhar essa revolução", disse. "Esse formato impede a chegada de títulos legais nas mãos dos jovens, livros que podem despertar o gosto pela leitura".

Mário Prata despejou suas opiniões ao ser questionado sobre sua participação no Ação Potiguar de Incentivo à Leitura. Além da abertura na AL hoje à noite, ele também conversa com alunos do CEI da Romualdo Galvão na manhã desta quinta-feira, mas diz que mais importante que falar com alunos é convencer os professores a mudar a tática. O autor esteve em Natal em setembro do ano passado participando do seminário Prazer em Ler.

Lançamentos nas escolas

O Ação Potiguar de Incentivo à Leitura, projeto posto em prática pelos Jovens Escribas, complementa o perfil dos eventos literários já realizados no RN, pois a meta é focar o leitor. A programação, iniciada segunda-feira (17), segue até sábado (22) com série de encontros entre estudantes e autores em escolas (públicas e privadas), universidade e livraria, além do lançamentos de dois novos títulos do selo editorial JE - "Paraíso Perdido", de Cláudia Magalhães, e "Esporro - underground carioca dos anos 90", do roqueiro fluminense Leonardo Panço.

"Notamos que há no Estado dois tipos de eventos literários: um focado no livro e o outro no autor. Ambos são importantíssimos, mas faltava ainda o terceiro vértice do triângulo: o leitor. São eventos complementares", declarou Carlos Fialho, um dos organizadores do evento. "Desde que criamos o Jovens Escribas, a primeira coisa a ser feita era deixar de lado aquele papo derrotista de que 'ninguém lê literatura potiguar' para investir na formação de plateia. Começamos devagar, com o projeto JE Convida, que iniciou o intercâmbio com autores de outros estados, e para evoluir até um evento maior como o Ação foi um pulo", acrescentou o jovem escriba Patrício Júnior.

Os encontros acontecem nas escolas Estaduais Anísio Texeira e Castro Alves, escola Municipal 4º Centenário, Colégio CEI Romualdo Galvão e na Universidade Potiguar, e a previsão é contabilizar a participação de cerca de quatro mil estudantes durante o período. "O formato desses encontros é bem informal, ou seja, não há um roteiro pré-estabelecido e tudo depende da interação do público. Os convidados vão contar experiências pessoais e a importância que a leitura teve na trajetória de cada um. Falar das influências, como é a produção e como ler pode ser divertido. Queremos que a empolgação dos escritores contamine as pessoas", adianta Patrício.

Entre os convidados figuram, além de Mário Prata, Nei Leandro de Castro, Cláudia Magalhães, Leonardo Panço, Patrício e Fialho, os autores Pablo Capistrano, Clotilde Tavares, Carito, Daniel Minchoni, Ana Célia Cavalcanti, o matogrossense Joca Terron, o quadrinista de São Paulo Rafael Coutinho e o escritor mineiro Sérgio Fantini, que também ministra palestra. Toda a programação é gratuita e aberta ao público. A iniciativa tem patrocínio do CEI Romualdo Galvão, Ale Combustíveis, Cabo Telecom e Assembleia Legislativa.

Pablo Capistrano destaca interesse pela escrita

O professor e escritor Pablo Capistrano, que acaba de lançar a ficção "É Preciso ter sorte quando se está em guerra", esteve com alunos de escolas particulares e públicas na segunda-feira (17) e disse que "a experiência foi muito boa. O primeiro encontro foi com uma turma de perfil bem jovem  (entre 13 e 14 anos), e notei que há um interesse crescente pela literatura. Teve aluno declamando, outros disseram que estão escrevendo em blogs", disse Capistrano.

Giovann HackhartCapistrano diz que os jovens estão mais bem informados, mas que ainda não sabem interpretar.Capistrano diz que os jovens estão mais bem informados, mas que ainda não sabem interpretar.
À tarde, o escritor potiguar conversou com alunos um pouco mais velhos, entre 16 e 17 anos, de escolas públicas, e notou a mesma aproximação: "Mesmo de faixas etárias e classes sociais diferentes, notei que os desejos e anseios são semelhantes, as urgências é que são diferentes: todos querem se inserir o mais rápido possível no mercado de trabalho, mas de um lado há a facilidade em ter acesso à livros e a preocupação é manter o padrão familiar, o status social; do outro o foco é na sobrevivência, em pagar as contas", analisa.Para Pablo, o ponto em comum está na facilidade de conectar informações. "Os jovens estão mais informados que há dez anos, processam mais rápido, mas ainda não sabem direito como interpretar, compreender e transformar todo esse acesso em conhecimento".

Outro convidado que também está na programação e o quadrinista Rafael Coutinho. "Como os encontros são informais, não tenho nada preparado, vou conduzir o papo de acordo com a resposta da molecada. Vamos falar sobre quadrinhos, sobre internet, sobre quadrinhos na internet...", adiantou.

Serviço

Ação Potiguar de Incentivo à Leitura, lançamentos de livros, palestras e bate-papos. Aberto ao público e acesso gratuito.

. Quarta-feira (19), às 10h, no CEI Romualdo Galvão: Patrício Júnior. Tarde, 16h: Patrício, Joca Terron e Rafael Coutinho / Oficina com Sérgio Fantini na UnP da Floriano Peixoto (todas as vagas preenchidas)

. Quinta-feira (20), às 10h, na Escola Estadual Castro Alves, Pablo Capistrano, Patrício Jr e Carlos Fialho. Tarde, às 16h, no CEI Romualdo Galvão: Mário Prata. À noite, programação na livraria Siciliano do Midway.

. Sexta-feira (21), às 10h, no CEI Romualdo Galvão, Daniel Minchoni e Carito. Tarde, às 16h, Escola Municipal 4º Centenário. Noite, às 18h30, na livraria Siciliano do Midway, conversa com Clotilde Tavares, Cláudia Magalhães e Ana Célia Cavalcanti. Às 19h30, lançamento do livro "Paraíso Perdido" (contos) de Cláudia.

. Sábado (22), às 18h, no Centro Cultural DoSol - Ribeira, lançamento do livro "Esporro", de Leonardo Panço, mais show da banda Sangue Blues e DJ Magão.

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