Nova roupagem do gênero popularizado por Luiz Gonzaga é fenômeno da indústria cultural no Nordeste
Thalles Gomes,
de Maceió (AL)
de Maceió (AL)
Nos primeiros quinze dias de setembro serão doze apresentações em nove estados diferentes, começando por Rio Grande do Norte e passando por Bahia, Ceará, Paraíba, Piauí, Acre, Rondônia e Pará, de onde partirão rumo a Alagoas para dois shows numa mesma noite, em Maceió e Anadia. Rotina comum para os integrantes da banda Aviões do Forró que, nos últimos sete meses, realizou 148 apresentações, uma média de mais de 21 espetáculos por mês.
Foto: Thalles Gomes |
Não se trata de caso isolado. Se somarmos os compromissos de outras cinco bandas do gênero, ultrapassaremos a casa dos 110 shows somente no mês de setembro. De fato, as apresentações de forró eletrônico ocorrem por todo o território nordestino em todas as épocas do ano. E não é de hoje que vêm avançando para outras regiões e, inclusive, continentes – no início desse ano, a banda Aviões do Forró fez sua segunda turnê européia, com apresentações em Amsterdã, Zurique e Porto. Surgido no início dos anos 1990, o forró eletrônico se propôs a modernizar o universo do forró tradicional difundido e consolidado em todo o Brasil por Luiz Gonzaga, Sivuca, Dominguinhos e Trio Nordestino. Essa modernização buscava aproximar o forró da música pop nacional e internacional.
Para tanto, zabumba e triângulo perderam espaço para baixo, bateria, metais e teclado. A sanfona foi mantida, no intuito de preservar o DNA musical, mas sua importância sonora foi reduzida.
A mudança mais significativa, entretanto, seria na temática. Buscando superar o referencial nostálgico e sertanejo característico do forró tradicional, as letras das bandas de forró eletrônico incorporaram o urbano, o sensual, o duplo sentido, a diversão. “O eletrônico canta o urbano, o jovem e está constantemente em busca de festa, diversão, alegria e sexo, com amor ou sem amor”, completa o professor da UFPE, Felipe Trotta. Para ele, a temática do forró eletrônico pode ser resumida no trinômio festa, amor e sexo.
“Nossas músicas falam mais de amor, não do sertão como os forrós de antigamente, para fazer uma reciclagem do público, acompanhando as gerações e falando a mesma língua da galera”, confirma Carlos Aristides, um dos empresários da Aviões do Forró.
E é justamente no espaço da festa que as bandas de forró eletrônico melhor expressam sua sonoridade e temática, conquistando público cada vez maior. Mesmo com boa vendagem de discos e presença constante nas rádios – são duas músicas do gênero por hora, de acordo com pesquisa feita por Paulo Camêllo nas três maiores emissoras de Recife em 2008 – são nos shows que a experiência musical do forró eletrônico se concretiza e fortalece.
Repletas de brilho e iluminação, com equipamentos de ponta e dezenas de dançarinos reforçando a sensualidade das músicas, as apresentações destas bandas se tornaram cada vez mais disputadas, não perdendo em grandiloquência e público para shows de artistas nacionais e internacionais – até porque, os grandes hits estrangeiros costumam ganhar versão dançante em português. Aviões do Forró, por exemplo, reuniu mais de 70 mil pessoas em Salvador para a gravação de seu DVD lançado em abril deste ano.
Felipe Trotta explica que os empresários e produtores deste nicho investem cada vez mais no que ele chama de economia da experiência e da performance, “um sistema comercial no qual o consumidor paga não para adquirir um produto ou um serviço, mas para passar algum tempo participando de uma série de eventos memoráveis, o que se torna algo único e altamente lucrativo”.
Empresários ao centro
De fato, os empresários têm papel central no universo do forró eletrônico. Controlam não somente o planejamento comercial e as estratégicas de divulgação, mas a própria construção do estilo, a escolha do nome e os integrantes da banda. No forró eletrônico, todos os músicos são trabalhadores contratados, inclusive os cantores.
Desde os primórdios do gênero esse modelo impera – a primeira banda de forró eletrônico, Mastruz com Leite, foi organizada pelo empresário Emanoel Gurgel. Atualmente, a principal empresa do setor é a A3 Entretenimento.
Capitaneada pelos empresários Carlos Aristides, Zequinha Aristides, Isaias Duarte e Cláudio Melo, a A3 Entretenimento surgiu em 2006 no estado do Ceará e, de acordo com informações de seu site oficial, “atua como um conglomerado de empresas que objetiva atuar na promoção de eventos e bandas”. Reúne em seu “casting” as bandas Aviões do Forró, Forró do Miúdo, Forró dos Plays, Solteirões do Forró, Forró Balancear, Chicabana, Boca a Boca, A Comandante e Forró Pé de Ouro. Além disso, fazem parte da empresa cinco casas de show e duas emissoras de rádio.
Esse caráter forjado, somado à temática erotizante e a sonoridade pasteurizada são os principais argumentos dos que criticam o forró eletrônico e veem nele um desvirtuamento da cultura e identidade nordestina.
Nesta linha, causou polêmica a atitude do secretário de cultura da Paraíba, Chico César, ao declarar às vésperas dos festejos juninos deste ano que o estado não iria “contratar nem pagar grupos musicais e artistas cujos estilos nada têm a ver com a herança da tradição musical nordestina, cujo ápice se dá no período junino”. O secretário paraibano argumentou que “não faz muito tempo vaiaram Sivuca em festa junina paga com dinheiro público aqui na Paraíba porque ele, já velhinho, tocava sanfona em vez de teclado e não tinha moças seminuas dançando em seu palco”. E completou: “Nunca nos passou pela cabeça proibir ou sugerir a proibição de quaisquer tendências. Quem quiser tê-los que os pague, apenas isso”.
Para além da discussão sobre as prioridades do financiamento público, há na atitude de Chico César uma posição implícita acerca da identidade e cultura nordestina, reverberada por outros artistas e intelectuais preocupados com uma possível degeneração e sepultamento de certos valores e tradições regionais.
Entretanto, mais do que aceitar ou negar a legitimidade do forró eletrônico como gênero musical, trata-se de compreender as razões e estratégias de sua ascensão e sucesso. E para isso, é preciso ir mais além dos debates sobre gosto ou qualidade musical e desvendar as mudanças socioeconômicas pelas quais passou a região nas últimas décadas.
Ao construir um universo musical direcionado a um público jovem e urbano, copiando e recriando os elementos do imaginário da cultura pop transnacional, os empresários do forró eletrônico criaram uma resposta da indústria cultural a um processo de urbanização e empoderamento monetário que teve início nos anos 80 em todo o Nordeste.
Sem “sofrimento”
De acordo com dados do IBGE, em 1980 a população nordestina estava dividida quase que por igual em urbana (50,7%) e rural (49,3%). Desde então, o ritmo de urbanização da região superou a média das regiões mais desenvolvidas do país. Em 1990, a população urbana já chegava a 60,6%, passando para 69% na virada do século, até chegar aos atuais 73,1%, de acordo com o Censo 2010.
Trata-se, dessa forma, de uma população urbana e jovem - de acordo com o mesmo IBGE, 50% da população nordestina têm menos de 30 anos. Se somarmos essa urbanização tardia ao fato de que nos últimos anos há um aquecimento da economia local, com aumento da renda dos assalariados e elevação de consumo entre as classes C e D, teremos um quadro socioeconômico que ajuda a entender a preferência de boa parte do público pelo estilizado e moderno do forró eletrônico, em detrimento do saudosismo rural do forró tradicional.
Os empresários da A3 Entretenimento parecem ter compreendido e aproveitado como ninguém essas mudanças. Em seu site oficial, ao falar da banda Aviões do Forró, eles explicam que “as letras trazem uma linguagem diferente do forró clássico, se distanciando de temas como o sofrimento do nordestino. Mas não esquecem as raízes do ritmo, tendo como referência músicos como Luiz Gonzaga. O repertório popular atinge um público jovem por falar sobre relações amorosas, sem deixar de lado o ritmo dançante e animado”.
Fonte: Brasil de Fato
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