Quem vive nesta amada terra
há mais de dez anos consegue facilmente identificar de que texto foram
extraídos os versos abaixo:
Vinde, vinde, povo santo
Vinde todos bem contritos
Louvar nossa padroeira
A Senhora dos Aflitos
Arrisco a dizer, no
entanto, que poucos se dão conta da exortação que se faz na bela estrofe do
Hino a Nossa Senhora dos Aflitos. Nela, aconselham-se os devotos da padroeira local
a se comportarem de modo pesaroso, em razão dos pecados cometidos. Pessoas contritas,
pois, apresentam semblantes de tristeza, dor, arrependimento.
Explicado o verso, convido-o,
fiel leitor, a acompanhar o raciocínio deste modesto escriba. Antes de
apresentar meus argumentos, porém, peço-lhe que não faça interpretações
afoitas. Segure seu ímpeto até o final da postagem. Concentre-se nas questões
que discutirei nas linhas seguintes.
Pois bem. Em maio do ano
passado, Dom Delson, bispo da Diocese de Caicó, recomendou a todas as paróquias
a ela subordinadas que evitassem vender bebidas alcoólicas nas áreas próximas
às igrejas, por ocasião das festas de padroeiro. Disse ele ao blogueiro Marcos
Dantas[1]:
(...) orientamos os padres e as
paróquias para que separem as coisas que as nossas festas religiosas sejam para
proclamar o evangelho, que fortalece o principio de proteger a vida. Como
estamos defendendo a vida, e vendendo bebidas alcoólicas nas festas religiosas?
Isso condiz com o ensinamento religioso do evangelho? Se alguém acha que
condiz, venha me dizer, porque não é esse o evangelho que estamos pregando.
Evidentemente que existe uma tradição por aí. Inclusive um dos temas das novas
diretrizes que aprovamos em Aparecida na ultima assembleia, trata-se de uma
conversão pastoral, é a gente mudar estruturas que não condizem com a nossa
realidade. E essa é uma tradição que precisa se mudar, para que a nossa
pregação realmente venha trazer os efeitos desejados, e não pareça que é uma
coisa contraditória. Falamos no altar uma coisa justa e certa, e na mesma hora,
na frente da Igreja nós praticamos outra coisa bem diferente.
Algumas paróquias, como a
de Parelhas, já colocaram em prática a recomendação acima. A de Jardim de
Piranhas, ainda não. Aqui, pelo contrário, comenta-se que integrantes da
Comissão Organizadora da Festa estariam bastante insatisfeitos com a não
contratação de famosas bandas de forró. A revolta, que se estendeu a parcela
considerável dos jardinenses, principalmente os mais jovens, fora motivada pela
ação da Justiça, que, segundo os descontentes, teria proibido a vinda das
esperadas atrações musicais.
Não chega a surpreender tal
comportamento. Somente quem passou as últimas semanas em Marte ainda não se apercebeu
do clima de animosidade que se vê nas ruas. No mundo real ou virtual, os nervos
estão à flor da pele. Basta uma faísca para produzir um incêndio de proporções
catastróficas. Logo se buscam os culpados por tudo de ruim que acontece. Os alvos,
invariavelmente, são sempre os mesmos: ou é o juiz, ou o promotor, ou o
candidato adversário.
É hora de dar um basta a
tanta histeria. Que um ou outro desavisado, nas esquinas da cidade ou em redes
sociais, ocupe-se em culpar inocentes por tudo que considera errado é até aceitável.
Inadmissível é assistir a pessoas cultas e bem informadas comportando-se como
crianças mimadas, que esperneiam diante de qualquer contrariedade. E o pior:
não demonstram o menor pudor em divulgar fatos e versões totalmente dissociados
da realidade.
Ora, é notório que os
municípios nordestinos, em sua grande maioria, enfrentam uma das piores secas
da história. Por esse motivo, decretou-se estado de calamidade em todos estes,
o que impede as Prefeituras, ao menos ética e moralmente, de desperdiçarem
preciosos recursos em festas populares. O Ministério Público, desde o mês de
junho, vem atuando no sentido de coibir os prefeitos ainda insensíveis ao
sofrimento dos mais pobres. Por causa de firme atuação de alguns promotores,
muitos municípios cancelaram as festas juninas que tradicionalmente promoviam[2].
Não se compreende, pois, tamanha revolta vista nas últimas horas. Quem costuma
ao menos ler blogs certamente deve haver tomado conhecimento do cancelamento da
Corrida de Jegues na vizinha Timbaúba dos Batistas[3].
Por que aqui deveria ser diferente?
Concordo com os 58% dos
leitores que entendem não ter a Prefeitura local o dever de contratar bandas
para a festa. Ainda que o município não estivesse em estado de calamidade, recursos
públicos não podem ser gastos de maneira tão irresponsável. Há muitos problemas
em Jardim a serem solucionados. Contratar bandas caríssimas, assim como ocorreu
na Festa de 2009, só é possível se se contar com o apoio do Governo Federal que,
nesse ano, repassou à Prefeitura local absurdos 300 mil reais para a “Promoção
de Eventos para Divulgação do Turismo Interno”. E foi só. Nos anos seguintes, a
fonte secou, principalmente depois que se desbaratou, na Paraíba, uma quadrilha
especializada em desviar recursos destinados a esses eventos[4].
A gritaria nos últimos dias
tem sido ensurdecedora. E ainda continua. Poucas vozes sensatas se fazem ouvir,
como a da Belª Jovita Araújo Sobrinha que, no Facebook, postou este brilhante
comentário: Em Natal, jovens protestam
contra aumento da tarifa de ônibus; em Jardim, se revoltam por causa de bandas
de forró!!! Quem dera os jovens jardinenses raciocinassem como essa jovem
advogada. Nem precisariam formar-se em Direito para tanto. Bastaria, apenas,
deixarem o fanatismo de lado para, desse modo, evitarem divulgar um monte de
asneiras e tolices.
Quem anuncia o fim da Festa
ou se preocupa com a manutenção financeira da paróquia está fazendo análises,
no mínimo, equivocadas. Se desejam atrações caras, que se mude o formato atual
e se permitam aos clubes contratá-las, como ocorre em várias cidades próximas a
Jardim. Se a igreja precisa dos recursos obtidos na Festa, que os devotos de
bom coração, ora impedidos de contratar essa ou aquela banda, doem à paróquia o
dinheiro que iriam despender. Afinal, quem dá de coração não faz propaganda de
si próprio.
Insensato, mesmo, é culpar
o Poder Judiciário pelo que está ocorrendo. Não é de hoje que candidatos estão
impedidos de contratar atrações musicais durante o período eleitoral. Quem ainda
não sabe disso precisa, urgentemente, procurar um psiquiatra. Somente infantes
e dementes acreditam na balela de que não há nenhum interesse eleitoreiro em
patrocinar bandas famosas para animar a Festa. O Ministério Público está apenas
cumprindo seu papel constitucional de zelar pelos interesses públicos e não
poderia, em nenhum momento, ser criticado por isso. Mas é a Justiça Eleitoral, ressalte-se,
a maior injustiçada nessa celeuma toda. O magistrado que brilhantemente conduz
o pleito não proferiu nenhuma decisão que proibisse a contratação das bandas
anunciadas. Quem o culpa o faz por desconhecimento ou má-fé.
Em vez de se insurgir
contra a aplicação de uma lei, melhor seria aproveitar a ocasião para se
repensar a Festa da Padroeira. É plenamente possível à Paróquia arrecadar boa
soma de recursos sem a venda de bebidas alcoólicas nas imediações da igreja. Atrações
musicais podem ser patrocinadas por empresários e comerciantes. Shows mais
caros podem ser realizados nos clubes. Com inteligência e bom senso, o evento
pode-se tornar bem melhor e, acima de tudo, fiel aos princípios religiosos. E
tudo sob as bênçãos de Nossa Senhora dos Aflitos!
Fonte: Alcimar Araújo
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