quarta-feira, maio 19, 2010

Apôis têje prêso
Gibson Azevedo


...Quando a rural da polícia estacionou em frente à boate de propriedade de um proxeneta chamado David, na Av. Romualdo Galvão, apareceu uma récua de mulheres dizendo esbaforidas: “que se tratava de um velho que havia bebido muito, mas não queria pagar a despesa”.
Ao encarar o suposto bêbado, Bené, querendo mostrar serviço, instava-o a pagar aquela conta...
O indivíduo calado, muito calmo, fumava seu charuto como se nada estivesse acontecendo.
Foi aí que Bené deu voz de prisão ao velho meliante e o encaminhou para o interior da surrada rural.
Não antes de tomar-lhe, bruscamente, o charuto e o apagar com o coturno.
“Era só o que faltava, um véio folgado desse, querer fumar, um charuto fedido desses, dentro da rural!... O senhor não tem vergonha, não? Um véio na sua idade, que podia ser meu avô..., vim pru brega, beber e beber..., e depois num querer pagar? Véi fulêro!” – falava indignado, o eficiente meganha.
Ao chegarem à Delegacia o delegado Mário Cabral, um Coronel aposentado, saudou com grande alegria àquele cidadão que ali adentrava: “Meu mestre, meu Comendador!..., a que devemos esta honrosa visita?”
O homem não respondeu. Só disse: “quem sabe é esse soldado!” – apontando para Bené.
“É o que, soldado? Que estória é essa?” - perguntou o surpreso Coronel.
“Delegado, esse Elemento tava no beréu; bebeu, comeu e não pagou; aí..., nós truçemo ele preso.” – respondeu, gaguejando, o recente militar.
O Delegado trêmulo, pois estava mortificado de vergonha e de raiva, determinou: “vá deixá-lo no mesmo lugar onde ele estava; com as nossas desculpas.”
“E a conta?” – perguntou o inocente recruta.
“Diga ao David que o Comendador pode beber o que ele quiser; e pode botar na minha conta. Amanhã eu posso por lá para pagar. Vai!” – tangeu o delegado.
Ao retornarem ao Quartel de Policia, o Oficial de dia observou que o soldado Benevaldo apresentava sinais de embriaguez, tombando e com um forte hálito de bebida alcoólica.
“Êi, soldado! qui parada é essa? Tá Bebo?” – inquiriu com rispidez, o zeloso Oficial.
Mesmo com o detalhado relato feito por Bené, inclusive citando que ao retornarem à boate com o comendador, este, o convidou, praticamente forçando-o, a beber várias doses de conhaque de alcatrão e, portanto achava-se isento de qualquer culpa, coisa e loisa, etc., etc., etc.
“Era só e que faltava mesmo! Um mocorongo como você, que não faz nem um mês que “sentou praça”, já chegar para um seu superior, “chêi de mé” e com uma conversar fiada dessas!... Recolha-se ao alojamento, seu porquêra! Aparece cada uma hoje em dia!...” – vociferou lívido de raiva, o exigente Oficial.
O inocente Bené, que na sua estréia quis prender um Comendador, terminou sendo punido com uma semana de detimento – confinado ao alojamento dos Praças.
Para um melhor esclarecimento, o supracitado Comendador não era outro senão o advogado, o etnólogo, o escritor, o jornalista e acadêmico Luiz da Câmara Cascudo (foto), figura impar da cidade de Natal, e, por demais, venerada no nosso País e no Mundo.
Mestre Cascudo, com era mais conhecido, era um homem muito íntegro e muito ligado à família – Um homem honrado.
Entretanto, como acontece com todo intelectual e boêmio, três dias a cada mês ele reservava para visitar alguns amigos, trocando com eles uns tostõezinhos de prosa; para descer aos recantos saudosistas da cidade que amava; e, por fim, para fazer umas visitinhas às primas do baixo meretrício...
Assim era esse homem e assim era a sua terra...
Azar de Bené, que não o conhecia!

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