segunda-feira, junho 20, 2011

Ensino público e privado: razões do abismo

Pesquisa do Inep constata diferença exorbitante nos índices de reprovação nas duas redes no RN

Os indicadores mais recentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC), revelam uma triste constatação: piora o índice de qualidade na rede pública estadual do Rio Grande do Norte. As altas taxas de evasão e a reprovação escolar, em todos os níveis, mostram que existe uma diferença abissal entre o que é ensinado na rede particular e o que é ministrado nas escolas públicas. Em 2010, de acordo com o levantamento que ficou pronto no mês passado, 18,3% dos alunos matriculados no Ensino Fundamental da rede estadual norte-rio-grandense foram reprovados, enquanto a reprovação da rede privada foi de apenas 4,5%. O alento é o nível médio, onde não há diferença tão grande: a reprovação é de 6,4% nas escolas estaduais, e de 6,2% nas particulares.


Repetência atingiu 18,3% dos alunos no nível fundamental do sistema público do RN Foto: Fábio Cortez/DN/D.A Press
Entre os estados do Nordeste, o Rio Grande do Norte aparece em 3º lugar no ranking de reprovação no que diz respeito aos colégios da rede estadual. O menoríndice é o do Maranhão (10%), e o maior de Sergipe (23,5%), que também amarga o pior percentual do país. Para secretária estadual de educação, Betânia Ramalho, parte da explicação sobre esse índice de reprovação reside na passagem do 5º para o 6º ano do Ensino Fundamental. "Com a mudança no sistema pedagógico, há uma dificuldade de acompanhamento, readaptação ao método de ensino. Sai a figura do professor polivalente, entra o professor por área de conhecimento. E, com a fragilidade na base do sistema, torna-se frágil sua continuidade", analisou.

A escola pública, segundo a secretária, ainda não tem atratividade para o aluno. Some-se a isso as condições sócio-econômicas desfavoráveis, a trajetória familiar do alunado e a falta de incentivo governamental. "A escola pública é um reflexo da sociedade brasileira. A rede privada, além de ter uma escola mais bem estruturada, tem a família que acompanha e fatores importantes para elevar os índices de aprovação, como aulas suplementares, de reforço, entre outros mecanismos".

Eleika Bezerra, educadora do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), complementa a informação da secretária, acrescentando que, enquanto o cliente da escola pública não alterar seu nível de exigência, sua qualidade vai ser questionada. "Me convenci de que a apatia, a indiferença dos que frequentam a escola pública é muito grave. A educação pública não é prioridade. Hoje em dia o governo incentiva o crescimento do número de matrículas, mas não adianta o aluno estar na escola se não se sabe o que acontece dentro dela", critica.

Faltam recursos e continuidade administrativa

Não há dúvidas que os recursos da educação pública são insuficientes. O custo-aluno, nas séries onde mais se verificou altos índices de reprovação no estado (6º ao 9º ano) é de R$ 1.899,61. "Com o alto índice de reprovação e repetência, o custo-aluno acaba se configurando custo-desperdício. O investimento somos nós que pagamos", conclui a educadora do Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE), Eleika Bezerra. A secretária estadual de educação, Betânia Ramalho, credita o insucesso da maioria das escolas públicas à falta de foco. "Em 8 anos, foram dez secretários e, nesta situação, não há como haver foco num projeto educativo. Por isso iniciamos, ao assumirmos a Secretaria Estadual de Educação e Cultura (SEEC), uma política centrada no ensino e aprendizagem. Fazer com que haja ensino para que haja aprendizagem".

É preciso mais. "Uma escola tem que ser atrativa, deveria ser o prédio melhor aparelhado, que sirva de referência não apenas ao aluno, mas a toda sociedade. Deveria ser um templo", avalia Betânia,que declarou ter iniciado um projeto de educação para fazer com que os recursos do MEC e do Estado incidam na formação continuada dos professores e na melhoria das escolas públicas do Rio Grande do Norte. "A educação inclui valores, inclui formação para a cidadania, tanto nos direitos quanto nos deveres do cidadão. Sem esse equilíbrio, e um estado forte socialmente, essa equação não fecha", afirma ela.

Quando os resultados são bons

A equipe de O Poti/Diário de Natal fez o teste e visitou duas escolas de Natal que apresentam a diferença em termos de reprovação no Ensino Fundamental II, do 6º ao 9º ano. A equipe de reportagem esteve na Escola Estadual Raimundo Soares, em Cidade da Esperança, que tem 870 alunos matriculados, e índice de reprovação de 29,8%, e no Centro Educacional Integrado - CEI Romualdo Galvão, com 1.982 estudantes, onde o índice de reprovação é de apenas 2,4%.

O CEI tem 120 funcionários, 164 professores e 35 estagiários. A escola investe num programa de complementação ao ensino para dar apoio pedagógico aos estudantes que apresentam dificuldades de aprendizagem. "Esta é uma das estratégias para sanar o problema da repetência. Chamamos de repetição de processos. Cada aluno tem um ritmo diferente de aprendizagem. Nós respeitamos esse ritmo", relata Cristine Rosado, uma das duas diretoras-adjuntas da escola privada cuja principal função é lidar com a relação família e escola.

Um dos pontos fortes da escola é a infraestrutura: salas de aula, corredores, jardins e refeitórios bem cuidados, quadra de esportes, piscina, parque infantil, laboratórios de informática, física, química e biologia, salas de leitura e biblioteca. "Normalmente o aluno faz todo o ensino básico aqui na escola, que vai do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental, e também os três anos do Ensino Médio', relatou a orientadora pedagógica Celina Bezerra. "Aqui também cumprimos à risca os 200 dias letivos, e os professores que não correspondem às expectativas são afastados".

No quesito da formação dos professores, a rede privada também sai na frente da escola pública, onde a contratação se dá ou através de concursos públicos, ou contratos temporários ou mesmo seleção de estagiários. Segundo Cristine Rosado, no caso da escola onde atua os professores recebem todas as condições que precisam para desempenhar um bom trabalho. "Eles só são admitidos se fizerem prova teórico-prática, didática, entrevista com psicólogos, com o setor de Recursos Humanos e com a coordenação pedagógica. Após contratado, ele conta com horário extra para elaborar suas aulas, e conta com profissional destinado apenas a pensar a metodologia das aulas e o conteúdo das disciplinas".

O professor de matemática Rubem Uchôa ensina tanto na rede pública quanto em escola particular. "Enquanto na escola pública muitos de meus alunos de Ensino Médio não dominam conteúdos de fração e porcentagem, aqui na particular os que ensino no 6º ano já têm noção desse conteúdo", relata. Glória Santos, professora de Ciências, também percebe diferenças no conteúdo dado aos seus alunos nas redes pública e particular. "Aqui no 9º ano, estou ensinando síntese protéica e ética na clonagem. Na rede pública, quando os alunos vêem esse assunto, estudam no 4º bimestre do 1º ano do Ensino Médio".

A relação professor-aluno na rede particular é outro diferencial. Micheline Medeiros, professora de português, gosta de ensinar tanto na rede pública quanto na particular. "Aqui na escola privada, o retorno do que você ensina vêm mais rápido. Mas é gratificante ver que, na rede pública, você consegue plantar o alicerce dos que querem aprender. Não dá para competir, mas quando os resultados vêem, são gratificantes".

A carência como regra do jogo

Os funcionários da Escola Estadual Raimundo Soares, em Cidade da Esperança, fazem o que é possível para garantir um mínimo de ensino digno aos 870 alunos matriculados nos três turnos. O índice de reprovação, de 29,8%, mostra que essa é uma tarefa hercúlea. Há grande evasão dos alunos do turno noturno, especialmente quando eles mudam de emprego ou de bairro. A escola também sofre com a violência e a falta de infraestrutura adequada.

O lixo e o mato tomam conta da área onde fica a quadra de esportes, as salas são decoradas com motivos juninos apenas com material reciclável, o laboratório de ciências têm equipamentos ultrapassados e o laboratório de informática, que tem 10 computadores, conta com apenas dois funcionando. "Apesar disso, os educadores são comprometidos. Fazemos muitos sacrifícios, mas todos querem uma educação de qualidade", declarou a diretora da escola, Maria Divanilza de Medeiros.

Na última reunião de pais da escola, foram convidados 140 representantes familiares. Apenas 40 compareceram. "Infelizmente as famílias são ausentes, não acompanham a vida escolar dos filhos. As tarefas que encaminhamos para casa normalmente voltam sem ser realizadas", relata a coordenadora pedagógica, Regina Célia do Nascimento.

A Raimundo Soares sobrevive com o pouco recurso que vem dos governos Estadual e Federal. Trimestralmente é destinada uma verba de R$ 2.287,50, do Programa de Autogerenciamento de Unidade Executora (Pague), destinado a despesas como gás, limpeza e reparos necessários, além do dinheiro que advém dos projetos encaminhados pela escola ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDDE). "No último que aprovamos, a escola recebeu R$ 34 mil, destinado a custeio (material didático) e capital (maquinário, computadores, armários)", disse Nazaré Negreiros, coordenadora financeira.

Do dinheiro que veio do PDDE, a escola conseguiu promover um curso de capacitação para os professores. Pouco se pode fazer, no entanto, no que se refere a itens essenciais para elevar os percentuais de aprovação. Contratar professores, por exemplo, é uma atribuição da Secretaria de Educação, e não da escola. "Temos déficit de professores. Os alunos só não estão sem aulas porque vieram alguns temporários e estagiários, e porque a maioria não aderiu à greve", destacou a diretora Divanilza.

Cledna Dias, professora de Ciências, disse que outra triste realidade da rede pública é o desvio idade-série. "Tenho uma aluna, no 5º ano, que tem 14 anos de idade e que engravidou. Ela deixou de vir à escola porque ficou com vergonha. Entramos em consenso e percebemos que não poderíamos entrar em greve por medo da fuga dos alunos. Temos muito poucos e não podemos perdê-los". Rafael Anderson, professor voluntário de xadrez na Escola Raimundo Soares, também não perde o ritmo de ensino, apesar da falta de estrutura para suas aulas, dadas no refeitório. "Alguns estão bem adiantados. Não a nível de competição, mas aos poucos estamos tentando chegar lá".

Entre o público e o privado

Gestão

Escolas estaduais

Quase sem planejamento, sem clareza de metas e resultados. Foco massificado

Escolas particulares

Planejamento e monitoramento de resultados. Foco na escola

Custo-aluno

Escolas estaduais

Não há clareza. Não há orçamento nem política de investimento por escola

Escolas particulares

Em geral é feita, com medidas cabíveis para aqueles que não respondem positivamente

Avaliação de desempenho

Escolas estaduais

Pouca avaliação de desempenho dos profissionais

Escolas particulares

Definido valor da anuidade escolar e o orçamento, tendo em vista os investimentos necessários

Contratações

Escolas estaduais

Os concursos públicos são massificados. As contratações são aleatórias, sem possibilidade de avaliar a prática do profissional

Escolas particulares

Profissionais selecionados de acordo com o perfil que a escola necessita. Seleção envolve prática

Família

Escolas estaduais

Em geral há apatia, acomodação das famílias dos alunos

Escolas particulares

Famílias cobram resultados, qualidade dos serviços

Infraestrutura

Escolas estaduais

Falta de professores e infraestrutura adequada. Tecnologia obsoleta

Escolas particulares

Pouco risco de faltar professores. Infraestrutura é objeto de atenções permanentes, inclusive modernização tecnológica

Dias letivos

Escolas estaduais

200 dias letivos, quase sempre com um percentual comprometido

Escolas particulares

Não há greves. Os 200 dias letivos são cumpridos

Fonte: Diário de Natal

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