UMA AULA DE JORNALISMO PARA OS BOCÓS
por Ailton Medeiros“Le Monde” elegeu Lula o “Homem do Ano. O fato é inédito na história do jornal fundado por Hubert Beuve-Méry em 1944.
Um leitor de quatro patas atribui a escolha aos interesses franceses no Brasil. Pai, perdoai-vos, eles não sabem o que fazem.
O bocó, claro, ignora a história deste vespertino nascido praticamente no útero do “Le Temps”, do qual herdou as instalações, quase toda redação além do projeto gráfico e que inspirou jornais como “El País” e “La Repubblica”.
No início o jornal dava pouca atenção ao dia-a-dia da capital francesa o que levou o escritor Jean Cocteau a dizer que “Le Monde” era o único jornal francês que não tinha correspondente em Paris.
Sua redação era compacta. Em 1958 tinha 70 jornalistas. “Le Fígaro”, seu maior concorrente, 250.
Beuve-Méry era austero. Não aceitava convite para jantar e a seus jornalistas dizia que só aceitassem convites do governo para almoçar com a condição de cuspir no prato.
Ele sabia que a objetividade não existe, mas honestidade, sim. Seu lema era dizer a verdade, custe o que custar. Sobretudo se custar.
Beuve-Méry queria um jornal lido tanto pela direita como pela esquerda.
O rigor intelectual e a independência fizeram do “Le Monde” o jornal mais respeitado da França e o transformaram em alvo de ataques. A direita conservadora achava o jornal de esquerda e a esquerda um instrumento da burguesia e da ideologia dominante.
Mas quando Beuve-Méry pediu demissão do comando do jornal em 1951, os leitores exigiram seu retorno imediato.
“Le Monde” foi abertamente contra a conduta do governo francês na Argélia. No auge da guerra, quando o governo assegurava que estava tudo calmo lá, o jornal escreveu: “A Argélia está calma: as crianças morrem sem chorar”.
A posição anticolonialista levou o primeiro-ministro, o socialista Guy Mollet, impedir que o jornal reajustasse o preço de venda em banca, sua principal fonte de renda. O que fez os leitores? Depositaram a diferença na sede da empresa.
Segmentos da sociedade francesa fizeram uma oferta generosa ao jornal para que moderasse a cobertura, recusada prontamente por Beuve-Méry.
Irritado, De Gaulle usando um trocadilho com seu nome passou a chamá-lo “L’immonde” (O imundo).
Quando a BBC classificou “Le Monde” como o melhor jornal do mundo não estava exagerando.
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