Após o desastre de Fukushima, preocupações com a segurança - e custos - ajudaram a matar a ideia de uma revolução energética impulsionada pelas usinas nucleares
Segundo o químico Frederick Soddy, o poder concentrado no núcleo atômico poderia “alterar um continente deserto, derreter os polos gelados e transformar todo o planeta num Jardim do Éden sorridente”. Militarmente, esse poder já ameaçou fazer exatamente o oposto, com sua habilidade incalculável de transformar jardins do Éden em desertos. Idealistas esperavam que a energia nuclear fosse capaz de restaurar o equilíbrio, gerando ampla eletricidade barata e confiável por vários séculos. Não foi o que aconteceu. E também não parece que será assim no futuro.
Et tu, Japão
Vinte e cinco anos depois do acidente nuclear de Chernobyl, quando especialistas já começavam a falar de um “renascimento nuclear”, aconteceu de novo. E dessa vez os burocratas, políticos e industriais da chamada “vila nuclear” japonesa não eram figuras de um Estado autoritário em decadência; eles agora tinham responsabilidades com os eleitores, acionistas, e a sociedade. E eles também permitiram que seu entusiasmo pela energia nuclear acomodasse regulações fracas, sistemas de segurança que falharam e uma ignorância a respeito dos riscos tectônicos que os reatores corriam. Tudo isso enquanto promoviam o mito da segurança nuclear.
Nem todas as democracias fazem as coisas tão mal. Mas a energia nuclear está prestes a se tornar cada vez menos uma criatura das democracias. O maior investimento para o futuro está na China – não porque a China está colocando uma grande aposta no nuclear, mas porque mesmo um nível modesto de investimento em uma economia tão enorme como a China é grande para os padrões de quase todos os outros países. O sistema regulatório da China certamente será revisto por conta do acidente em Fukushima. Algumas de suas novas usinas estão entre as mais modernas e mais seguras do planeta. Mas a segurança requer mais que boa engenharia. Ela exige regulação independente, e uma meticulosa cultura de segurança e autocrítica que procura incessantemente por riscos que possam ter passado despercebidos. Essas não são características que a China (ou a Rússia, que também planeja construir algumas usinas) já tenha demonstrado.
Em qualquer país independente, a regulação é mais pesada quando a indústria sendo regulada existe em grande parte graças ao incentivo do governo. No entanto, sem os governos, as empresas privadas simplesmente não escolheriam construir usinas nucleares. Isso acontece em parte por causa dos riscos que elas enfrentam da oposição local e das mudanças na política do governo. E principalmente porque reatores são muito caros. Os poucos reatores que estão sendo construídos na Europa já ultrapassaram em muito seus grandes orçamentos originais. E nos Estados Unidos, lar da maior concentração mundial de energia nuclear, o gás de xisto reduziu os custos de uma das alternativas; novas usinas nucleares devem surgir apenas em mercados onde ainda há regulamentações quanto à eletricidade, como os do sudeste.
Uma tecnologia para um mundo mais caro
Para que a energia nuclear desempenhe um papel maior, ela deve tornar-se mais barata, ou os outros tipos de geração de energia elétrica devem ficar mais caros. Em teoria, a segunda opção parece promissora: o dano causado ao meio ambiente por combustíveis fósseis atualmente não é pago. Atribuir um preço às emissões de carbono, reconhecendo seus riscos para o clima, elevaria os custos de combustíveis fósseis. Mesmo assim, tudo indica que outros incentivos serão necessários. Há poucos sinais, até agora, de que um preço alto o suficiente para fazer a diferença possa ser definido e sustentado em qualquer lugar.
A inovação nuclear ainda é possível, mas isso não vai acontecer em ritmo acelerado: as baleias evoluem mais devagar que moscas de fruta. Isso não significa que a energia nuclear, subitamente, irá desparecer. Reatores comprados hoje podem estar funcionando no século XXII, e desativar reatores bem regulados que foram pagos quando ainda têm anos para funcionar – como fez a Alemanha – faz pouco sentido. Alguns países com preocupações sobre a segurança de outras reservas energéticas vão continuar a construí-los, assim como os países interessados em construir, ou ter os meios para construir, armas nucleares. E se os preços dos combustíveis fósseis subirem e permanecerem elevados, através da escassez ou dos impostos, a energia nuclear pode recuperar seu charme novamente. Mas a promessa de uma transformação global é coisa do passado.
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