sexta-feira, setembro 14, 2012

A FESTA É RELIGIOSA OU PROFANA?



Quem vive nesta amada terra há mais de dez anos consegue facilmente identificar de que texto foram extraídos os versos abaixo:
Vinde, vinde, povo santo
Vinde todos bem contritos
Louvar nossa padroeira
A Senhora dos Aflitos
Arrisco a dizer, no entanto, que poucos se dão conta da exortação que se faz na bela estrofe do Hino a Nossa Senhora dos Aflitos. Nela, aconselham-se os devotos da padroeira local a se comportarem de modo pesaroso, em razão dos pecados cometidos. Pessoas contritas, pois, apresentam semblantes de tristeza, dor, arrependimento.
Explicado o verso, convido-o, fiel leitor, a acompanhar o raciocínio deste modesto escriba. Antes de apresentar meus argumentos, porém, peço-lhe que não faça interpretações afoitas. Segure seu ímpeto até o final da postagem. Concentre-se nas questões que discutirei nas linhas seguintes.
Pois bem. Em maio do ano passado, Dom Delson, bispo da Diocese de Caicó, recomendou a todas as paróquias a ela subordinadas que evitassem vender bebidas alcoólicas nas áreas próximas às igrejas, por ocasião das festas de padroeiro. Disse ele ao blogueiro Marcos Dantas[1]:
(...) orientamos os padres e as paróquias para que separem as coisas que as nossas festas religiosas sejam para proclamar o evangelho, que fortalece o principio de proteger a vida. Como estamos defendendo a vida, e vendendo bebidas alcoólicas nas festas religiosas? Isso condiz com o ensinamento religioso do evangelho? Se alguém acha que condiz, venha me dizer, porque não é esse o evangelho que estamos pregando. Evidentemente que existe uma tradição por aí. Inclusive um dos temas das novas diretrizes que aprovamos em Aparecida na ultima assembleia, trata-se de uma conversão pastoral, é a gente mudar estruturas que não condizem com a nossa realidade. E essa é uma tradição que precisa se mudar, para que a nossa pregação realmente venha trazer os efeitos desejados, e não pareça que é uma coisa contraditória. Falamos no altar uma coisa justa e certa, e na mesma hora, na frente da Igreja nós praticamos outra coisa bem diferente.
Algumas paróquias, como a de Parelhas, já colocaram em prática a recomendação acima. A de Jardim de Piranhas, ainda não. Aqui, pelo contrário, comenta-se que integrantes da Comissão Organizadora da Festa estariam bastante insatisfeitos com a não contratação de famosas bandas de forró. A revolta, que se estendeu a parcela considerável dos jardinenses, principalmente os mais jovens, fora motivada pela ação da Justiça, que, segundo os descontentes, teria proibido a vinda das esperadas atrações musicais.
Não chega a surpreender tal comportamento. Somente quem passou as últimas semanas em Marte ainda não se apercebeu do clima de animosidade que se vê nas ruas. No mundo real ou virtual, os nervos estão à flor da pele. Basta uma faísca para produzir um incêndio de proporções catastróficas. Logo se buscam os culpados por tudo de ruim que acontece. Os alvos, invariavelmente, são sempre os mesmos: ou é o juiz, ou o promotor, ou o candidato adversário.
É hora de dar um basta a tanta histeria. Que um ou outro desavisado, nas esquinas da cidade ou em redes sociais, ocupe-se em culpar inocentes por tudo que considera errado é até aceitável. Inadmissível é assistir a pessoas cultas e bem informadas comportando-se como crianças mimadas, que esperneiam diante de qualquer contrariedade. E o pior: não demonstram o menor pudor em divulgar fatos e versões totalmente dissociados da realidade.
Ora, é notório que os municípios nordestinos, em sua grande maioria, enfrentam uma das piores secas da história. Por esse motivo, decretou-se estado de calamidade em todos estes, o que impede as Prefeituras, ao menos ética e moralmente, de desperdiçarem preciosos recursos em festas populares. O Ministério Público, desde o mês de junho, vem atuando no sentido de coibir os prefeitos ainda insensíveis ao sofrimento dos mais pobres. Por causa de firme atuação de alguns promotores, muitos municípios cancelaram as festas juninas que tradicionalmente promoviam[2]. Não se compreende, pois, tamanha revolta vista nas últimas horas. Quem costuma ao menos ler blogs certamente deve haver tomado conhecimento do cancelamento da Corrida de Jegues na vizinha Timbaúba dos Batistas[3]. Por que aqui deveria ser diferente?
Concordo com os 58% dos leitores que entendem não ter a Prefeitura local o dever de contratar bandas para a festa. Ainda que o município não estivesse em estado de calamidade, recursos públicos não podem ser gastos de maneira tão irresponsável. Há muitos problemas em Jardim a serem solucionados. Contratar bandas caríssimas, assim como ocorreu na Festa de 2009, só é possível se se contar com o apoio do Governo Federal que, nesse ano, repassou à Prefeitura local absurdos 300 mil reais para a “Promoção de Eventos para Divulgação do Turismo Interno”. E foi só. Nos anos seguintes, a fonte secou, principalmente depois que se desbaratou, na Paraíba, uma quadrilha especializada em desviar recursos destinados a esses eventos[4].
A gritaria nos últimos dias tem sido ensurdecedora. E ainda continua. Poucas vozes sensatas se fazem ouvir, como a da Belª Jovita Araújo Sobrinha que, no Facebook, postou este brilhante comentário: Em Natal, jovens protestam contra aumento da tarifa de ônibus; em Jardim, se revoltam por causa de bandas de forró!!! Quem dera os jovens jardinenses raciocinassem como essa jovem advogada. Nem precisariam formar-se em Direito para tanto. Bastaria, apenas, deixarem o fanatismo de lado para, desse modo, evitarem divulgar um monte de asneiras e tolices.
Quem anuncia o fim da Festa ou se preocupa com a manutenção financeira da paróquia está fazendo análises, no mínimo, equivocadas. Se desejam atrações caras, que se mude o formato atual e se permitam aos clubes contratá-las, como ocorre em várias cidades próximas a Jardim. Se a igreja precisa dos recursos obtidos na Festa, que os devotos de bom coração, ora impedidos de contratar essa ou aquela banda, doem à paróquia o dinheiro que iriam despender. Afinal, quem dá de coração não faz propaganda de si próprio.
Insensato, mesmo, é culpar o Poder Judiciário pelo que está ocorrendo. Não é de hoje que candidatos estão impedidos de contratar atrações musicais durante o período eleitoral. Quem ainda não sabe disso precisa, urgentemente, procurar um psiquiatra. Somente infantes e dementes acreditam na balela de que não há nenhum interesse eleitoreiro em patrocinar bandas famosas para animar a Festa. O Ministério Público está apenas cumprindo seu papel constitucional de zelar pelos interesses públicos e não poderia, em nenhum momento, ser criticado por isso. Mas é a Justiça Eleitoral, ressalte-se, a maior injustiçada nessa celeuma toda. O magistrado que brilhantemente conduz o pleito não proferiu nenhuma decisão que proibisse a contratação das bandas anunciadas. Quem o culpa o faz por desconhecimento ou má-fé.
Em vez de se insurgir contra a aplicação de uma lei, melhor seria aproveitar a ocasião para se repensar a Festa da Padroeira. É plenamente possível à Paróquia arrecadar boa soma de recursos sem a venda de bebidas alcoólicas nas imediações da igreja. Atrações musicais podem ser patrocinadas por empresários e comerciantes. Shows mais caros podem ser realizados nos clubes. Com inteligência e bom senso, o evento pode-se tornar bem melhor e, acima de tudo, fiel aos princípios religiosos. E tudo sob as bênçãos de Nossa Senhora dos Aflitos!
Fonte: Blog de Alcimar

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