A luta pela redução dos preços das passagens dos transportes coletivos
*Prof. Hugo Martins
A luta pela redução das tarifas do transporte
coletivo é uma reivindicação antiga do povo brasileiro, pois incide diretamente
sobre a elevação do custo de vida da população, sobretudo, de baixa renda, que
necessita desse tipo de serviço para se deslocar no interior das grandes
cidades.
Um dos primeiros movimentos de protesto contra o aumento
abusivo nos preços das tarifas dos transportes, que se tem notícia, ocorreu no
Rio de Janeiro, Capital do Brasil Imperial, a Revolta do Vintém,
ocorrida no período de 28 de dezembro de 1879 a 4 de janeiro do ano seguinte,
movimento popular contra o aumento das passagens dos bondes.
Segundo consta, “O
protesto mobilizou em torno de 5 mil pessoas. Aos gritos de “fora o vintém!” a
população espancou os condutores, esfaqueou os burros, virou os bondes e
arrancou os trilhos ao longo da Rua Uruguaiana. A estatística de feridos e
mortos não é precisa, estima-se entre 15 a 20 feridos e entre 3 a 10 mortos. O
ministério, desgastado foi substituído e o novo ministério revogou o aumento de
preço. " (Fonte:http://www.historiadigital.org/curiosidades/, acesso em
30/06/2013)
Com a conquista do
poder pelos comunistas em Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, na Insurreição
de 1935 – levante armado deflagrado na noite do dia 23 de novembro e
que se estendera por toda madrugada e manhã do dia seguinte –, uma das
primeiras medidas tomadas pelo Governo Popular Revolucionário, após a
consolidação da vitória das forças rebeldes, na capital, foi determinar a
redução dos preços dos alimentos e das passagens (de 50 para 20 reis) dos
bondes que serviam à população da cidade. Porém, como sabemos, os comunistas
tiveram uma passagem efêmera à frente do governo potiguar. Após sofrer derrota
em confronto com milícias armadas no interior do estado, na madrugada do dia 27
de novembro chega ao fim a primeira experiência de governo popular em terras brasileiras.
Há anos que a
juventude brasileira também incorporou a questão da redução do preço das
passagens em sua pauta reivindicatória, sendo esta uma importante bandeira de
luta do movimento estudantil.
Em maio de 1956, ocorreram manifestações estudantis de
protesto contra o aumento no preço das passagens dos bondes no Rio de Janeiro,
Capital Federal, convocadas pela União Nacional dos Estudantes (UNE), recebendo
apoio popular e adesão de trabalhadores e sindicatos, aliança
estudantil-operária que criou o movimento luta contra a carestia.
Mas os estudantes
foram reprimidos com violência pela policia carioca, que solicitou reforços do
Exército para combatê-los, causando a morte de uma pessoa. A sede da UNE,
localizada na Praia do Flamengo, foi invadida e houve prisões de lideranças
estudantis. Após uma semana de manifestações, protestos e confrontos, o Presidente
JK recebeu lideranças estudantis para negociar uma solução para o impasse.
Dois anos depois, em
1958, na cidade de são Paulo, noutro movimento de protesto contra o aumento das
passagens, a truculenta repressão policial causaria a morte de mais 4 manifestantes
e dezenas de feridos.
Em 1979, ainda sob a
Ditadura Militar, após três aumentos consecutivos no preço das passagens de
ônibus, pela Prefeitura de São Luís (MA), estudantes secundaristas e
universitários travaram uma obstinada luta contra o aumento abusivo das
tarifas, reivindicando o direito à meia passagem nos transportes coletivos,
movimento conhecido como a Greve da Meia-Passagem (ou Greve de 1979),
ocorrido no período de 14 a 22 de setembro daquele ano.
O levante foi marcado
por forte adesão estudantil e popular, por grandes manifestações de ruas (atos,
assembleias e passeatas), por enfrentamentos, confrontos e por truculenta
repressão policial. Felizmente os estudantes maranhenses saíram vitoriosos,
conquistando pioneiramente no Brasil o benefício da meia passagem.
A coragem e ousadia da juventude maranhense, na memorável
Greve de 1979 simboliza não apenas um
marco importante na história de luta do movimento estudantil, mas, acima de
tudo, a retomada das ruas pela juventude brasileira, reprimida e massacrada por
anos de Ditadura. Foi o princípio do fim do decadente regime militar que se
manteve no poder pela força das baionetas, perseguições, cassações, torturas,
mortes e desaparecimentos políticos de lideranças juvenis. Foi “a ponta de
lança da luta pelo fim do regime dos generais.”
(http://maxsuelubes.blogspot.com.br/2010).
Com o fim da
Ditadura, as organizações e entidades juvenis (UNE, UBES, DCEs, Grêmios, UJS,
dentre outras) retomaram a luta pela conquista do direito a meia-entrada em
eventos culturais, desportivos e de lazer, e meia-passagem nos transportes
urbanos, intermunicipais e interestaduais, direito conquistado na maioria dos
estados brasileiros. A partir de então a luta passaria a ser pelo passe livre
para estudantes nos transportes coletivos.
Outras entidades e
organizações juvenis também incorporaram a questão do passe livre como bandeira
de luta, como o Movimento Passe Livre (MPL), criado em de 2005, que reivindica
a adoção da tarifa zero nos transportes coletivos para estudantes, realizando
manifestações públicas (ocupação de ruas, praças e avenidas).
Vale salientar que
inúmeras manifestações populares de protesto ocorreram nos últimos 15 anos –
precursoras do atual movimento de revolta e contestação da juventude brasileira,
em andamento – contra o aumento abusivo das tarifas dos transportes coletivos,
dentre as quais destacamos: protestos e paralizações ocorridos em Salvador
(BA), em 2001, movimento conhecido como a Revolta do Buzu; protestos em
Florianópolis (SC), em 2004 e 2005, denominado Revolta das Catracas; e manifestações de protestos e ocupações ocorridas
em Natal (RN), em 2012, chamada Revolta do Busão, integrante do
movimento “Fora Micarla”. (A imagem (F.8) ao lado é da Avenida Paulista
nas manifestações do dia 20 de junho de 2013).
A atual crise da
mobilidade urbana brasileira deve-se a uma opção política de desenvolvimento
dos transportes equivocada, adotada por sucessivos governos a partir de 1950,
voltada para atender aos interesses das empresas multinacionais (em especial as
automobilísticas) estrangeiras. Em linhas gerais, esse modelo de
desenvolvimento consiste basicamente em priorizar-se o transporte rodoviário
individual-particular (automóvel) ao coletivo-público, nestes prevalecendo os
interesses privados.
A prioridade dada ao
transporte rodoviário (particular) foi, assim, assegurada pela intervenção
política governamental como forma de resguardar os interesses das
multinacionais automobilísticas estrangeiras, tanto pela implantação de uma
infraestrutura de mobilidade urbana e interurbana necessária ao desenvolvimento
do setor, como principalmente pela ausência de uma política nacional de
mobilidade urbana de valorização do transporte coletivo.
Tal crise (dos transportes
e de mobilidade urbana) incide diretamente na diminuição da qualidade de vida
de enorme parcela da população das grandes e médias cidades brasileiras, seja
pela precária fluidez do sistema (engarrafamentos das vias públicas), seja pela
ineficiência do serviço prestado pelas empresas de transporte coletivo,
afetando, sobretudo, a população de baixa renda, especialmente, os estudantes
(juventude) que necessitam diariamente desse tipo de serviço.
Nesse contexto,
proliferam-se as manifestações espontâneas, levantes e revoltas
populares-estudantis. Os protestos, ocupações, paralizações, passeatas e
enfrentamentos, que explodem por todo país, têm como estopim os aumentos
abusivos no preço das passagens de ônibus, mas suas verdadeiras causas
encontram-se no caos provocado pela crise da mobilidade urbana e dos
transportes e, sobretudo, nas chagas sociais ainda gritantes em nosso país,
assunto que abordaremos no próximo capítulo de “O Despertar da Juventude Brasileira”, (parte II).
*Professor de Geografia - EE Amaro Cavalcanti e Escola Municipal Monsenhor Walfredo Gurgel