terça-feira, agosto 30, 2011

Jardim de ontem

 Entrada da cidade - início da década de 1980

 Família de Zezinho de Lica, março de 1982

 Equipe de veteranos do CAP

 Equipe infantil do CAP - final década de 1980

 Festa "Tributo a Raul'

Equipe de futsal da Escola Estadual Amaro Cavalcanti, década de 1980

segunda-feira, agosto 29, 2011

Equilíbrio precário

Quem são os rebeldes líbios que festejam com saraivadas de tiros a retomada de Trípoli e a invasão da Fortaleza de Kadafi

Estadão

Carolina Rossetti
 

Com a visão privilegia de quem enquanto repórter foi testemunha das revoltas populares no Oriente Médio, as de agora e as de antes; e com o olhar analítico de um cientista político, o britânico Robert Fisk falou ao Aliás sobre as possíveis saídas do labirinto que se tornou a “primavera-verão-outono árabe”.
Fisk, conhecido sobretudo pela coluna no jornal The Independent, é autor de um extenso conjunto de crônicas reunidas no livro A Grande Guerra Pela Civilização: A Conquista do Oriente Médio, da editora Planeta. Sediado em Beirute há mais de 25 anos, o jornalista passou os últimos seis meses cobrindo as revoltas no Egito, Bahrein e Líbia.
Com amplo repertório sobre as idiossincrasias do Oriente Médio, Fisk contextualiza os avanços obtidos até agora pelas revoluções ainda inconclusas do despertar árabe. Se o que assistimos nessa semana foi o último capítulo da guerra civil na Líbia, com a tomada de Trípoli pelos rebeldes (e a revelação da decoração kitsch do bunker de Kadafi), não há como ter certeza. O que se sabe, segundo ele, é que a comunidade internacional se precipita ao confiar na difusa liderança rebelde, que já dá sinais de inconsistência. “O Ocidente aceitou o conselho de transição como legítimo representante dos líbios, e estamos dando status de governo para rebeldes que não sabemos quem são.”
O correspondente fala sobre os perigos de um transição sequestrada por velhos baluartes do poder; critica o papel dúbio das potências no trato com os ditadores; quebra o silêncio sobre a constrangedora aliança dos americanos com os sauditas; e, por fim, critica a atitude da única democracia no Oriente Médio: “Israel prefere ser rodeado por ditaduras que conhece do que por democracias que desconhece”. A entrevista a seguir foi concedida por telefone, durante uma breve pausa para as férias na Irlanda, de onde viajará para a Síria em alguns dias.
Estamos testemunhando o desfecho da guerra civil na Líbia?
Tornou-se um padrão dos rebeldes, e eu vi isso acontecer repetidas vezes, invadir as ruas, dar tiros para os ar, declarar vitória, quando, na verdade. Kadafi e seus tanques ainda estão lá. A natureza imprevisível da guerra na Líbia não nos permite tirar nenhuma conclusão definitiva do que pode acontecer por lá. Kadafi pode achar que o melhor seria continuar lutando, para desgastar ao máximo os rebeldes e, aos poucos, roubar a credibilidade do conselho de transição.
Afinal, quem são esses rebeldes?
Eles não têm liderança, são formados por diferentes grupos, tribais e políticos. Nações ocidentais aceitaram o conselho de transição como legítimo representante do povo líbio, até cedemos o prédio da embaixada da Líbia em Londres para eles se organizarem. Estamos dando status de governo a rebeldes que, a bem da verdade, não sabemos quem são. Isso é perigoso. Quando o conselho nacional de transição liquida um dos seus e nada acontece, penso que não se pode confiar nele (o comandante Abdul Younes foi morto há um mês em Benghazi num desentendimento entre os rebeldes). A falsa prisão do filho de Kadafi, Saif, também mostra falta de integridade na palavra deles. E o Tribunal Internacional Penal, em Haia, confirmou a informação aceitando a versão dos fatos de um grupo altamente duvidoso. Não são só as forças de Kadafi que cometeram assassinatos. Corpos encontrados em Trípoli com mãos atadas são de vítimas dos rebeldes. A Otan apoia pessoas que estão cometendo execuções.
Na quinta, a ONU descongelou US$ 1, 5 bilhão de fundos líbios que vão para o grupo que você chama de duvidoso. Isso preocupa?
O dinheiro é do povo. Vai ser difícil para a ONU intervir em como as autoridades líbias, quaisquer que sejam, vão usá-lo. Demos prestígio e influência aos rebeldes. Eles dizem querer democracia, liberdade e o bem-estar do povo, mas todo ditador disse isso um dia.
A captura de Kadafi pode ser o ponto final para o choque entre civis ou só o começo?
No Iraque foi depois da prisão de Saddam Hussein que a insurgência pegou fogo, isso porque os que antes tinham medo de que os americanos pudessem colocar o ditador de volta no comando perderam as inibições. Na Líbia a situação é diferente. Se Kadafi for pego, os governistas têm poucas razões para continuar lutando. Há rachas entre os aliados do ditador também. Os líbios têm experiência histórica de ocupação ocidental imperialista e também de ditadura nacionalista, e não parecem gostar de uma coisa nem de outra. Por isso a procura por uma forma de governo mais digna me parece algo que a maioria dos líbios quer. Resta saber se o conselho de transição, que adotou um discurso aparentemente conciliador, realmente pretende aturar os aliados de Kadafi.
A cidade natal de Kadafi, Sirte, foi bombardeada pela Otan na sexta-feira. Em um artigo, você diz que ‘em breve essa cidade será a mais interessante na Líbia’. Por quê?
Sirte se beneficiou no reinado Kadafi com a exploração de petróleo, por isso a lealdade tribal pode se revelar mais forte que o medo da Otan. Há 70 anos, sob o regime de Mussolini, a Líbia era dividida em duas: a Tripolitânia, cuja capital era Trípoli, e a Cirenaica, cuja capital era Benghazi. Sirte sempre foi uma espécie de dobradiça entre as duas regiões e novas perguntas surgem da escuridão da história. Será que as pessoas algum dia foram leais ao ditador ou apenas a uma ideia de que sua cidade é mais importante? Todo libanês que entrevisto se enxerga primeiro como druso, maronita, sunita ou xiita, e só depois ele é libanês. Pode ser que os líbios pensem assim também. Não sabemos. Os repórteres passaram tempo demais correndo atrás das picapes dos rebeldes e não se interessaram pelas questões fundamentais que estão no pano de fundo do conflito.
Qual sua opinião sobre a cobertura da imprensa internacional na Líbia?
Em Trípoli a imprensa foi sequestrada pelas forças de Kadafi. Os jornalistas no hotel Rixos viraram reféns. O máximo que puderam fazer foi olhar pela janela para enxergar alguma coisa do que acontecia lá fora. Não dá para trabalhar assim. Lembro que na guerra do Iraque houve também um jornalismo de hotel, mas por opção. Os repórteres chegavam escoltados do aeroporto, faziam o check-in, comiam, dormiam e trabalhavam no quarto, às vezes cumprindo ordens diretas das redações. Não faço objeção ao jornalista que, por segurança e pela família, não quer ir para a zona de guerra. Mas não escreva como se estivesse nas ruas, conversando com as pessoas, dando a falsa impressão de que tem ampla visão da situação. Muitos contrataram repórteres iraquianos para ir às ruas por eles e depois assinavam “especial de Bagdá”. Ok, estavam lá, mas qualquer um com um telefone em Londres poderia fazer aquele trabalho. Eu e outros jornalistas circulamos de carro e, mesmo não podendo ficar mais que poucos minutos em certos lugares, deu para ter uma visão ao menos dos cacos da guerra.
E como foi cobrir a Primavera Árabe?
Grande parte da vida de um correspondente no Oriente Médio se resume a escrever sobre sofrimento, violência, tortura, morte e injustiça. Suponho que o momento depois da queda de Mubarak, quando comemoravam e cantavam na Praça Tahrir, tenha sido a reportagem mais feliz que já tive oportunidade de escrever. Foi um breve momento de alívio. Mas penso que as raízes do despertar árabe estavam lá muito antes da revolta na Tunísia.
Que raízes são essas?
A primeira revolta popular moderna foi no Líbano, em 2005, depois do assassinato do premiê Rafic Hariri. O povo exigiu a retirada das tropas sírias e foi vitorioso. Quando estava cobrindo a mobilização de milhões em Teerã, em 2009, pessoas me perguntavam como os libaneses tinham feito para mobilizar tanta gente. Os iranianos queriam aprender como fazer o mesmo. No caso do Egito, as sementes de uma revolução futura foram plantadas na cidade de Mahalla, em 2006, num protesto por aumento de salários da indústria. Anos antes das cenas de Tahrir, Mahalla foi uma “cidade-tenda”, com manifestantes com barras de ferro e gás lacrimogêneo por todo lado. Ainda estou tentando entender esse processo, e penso que a história terá que olhar para o papel que os sindicatos tiveram nos levantes árabes. Parece que nos países com sindicatos fortes, Tunísia e Egito, foi possível reduzir a violência quando o despertar eventualmente se consolidou, acelerando a queda do regime. Por outro lado, nos países onde não há sindicatos, Líbia e Iêmen, ou onde sindicatos foram cooptados pelo governo, Síria, as revoluções não foram imediatamente bem-sucedidas e mais sangue foi derramado. A grande pergunta agora é se a Jordânia, que tem sindicatos estruturados, vai pegar fogo ou não.
Como acha que as transições de regime podem se desenrolar na região?
Há algumas possibilidades. Cada um desses países vai descobrir por si o que quer fazer e como construir seu futuro. Talvez aos líderes do passado seja permitido fazer parte do novo governo. No Iraque os americanos não permitiram, e veja só o que aconteceu. Talvez os Parlamentos sejam controlados pelos velhos regimes. No Egito, o Ministério de Interior ainda é controlado por afilhados políticos de Mubarak. Talvez seja preciso fazer concessões a fim de preencher os vácuos de poder e fazer a máquina de governo andar de novo. Talvez para isso seja permitido aos partidos com os melhores maquinários políticos dominarem as eleições, mesmo que não tenham trabalhado pela revolução. Vejo fotos desses líderes gordos e velhos da Irmandade Muçulmana negociando com os militares no Cairo e penso: onde estavam vocês na hora de revolução? Eu estava em Tahrir e nunca vi nenhum deles lá. A primavera-verão-outono árabe vai durar anos.
O que dizer do silêncio sobre o regime fechado saudita em que as mulheres nem podem dirigir?
Aí você tocou no ponto chave. Todo momento decisivo de transição histórica no Oriente Médio envolveu a Arábia Saudita. A primeira revolução do profeta Maomé foi lá; o movimento religioso do wahhabismo, no século 18, brotou lá; os pilotos do 11 de Setembro eram sauditas (não havia nenhum afegão); Bin Laden era saudita; o Taleban foi criado com dinheiro saudita. Mas o petróleo também está lá, então eles são nossos amigos, certo? Causei desconforto para um diplomata americano numa coletiva de imprensa ao dizer: “Eu não estou perguntando sobre sua vida sexual, mas meramente sobre Israel e a Arábia Saudita”. Tal é o constrangimento atual de se questionar certas alianças. Aliás, o rei Abdullah suplicou a Obama para que ele deixasse Mubarak no poder. Israel enviou um telegrama aos americanos, dizendo que o egípcio era melhor para a “estabilidade” da região. Justamente os nossos dois aliados na região.
Quais as chances de os líbios consolidarem um governo de princípios democráticos?
Sempre me preocupo com o papel da democracia enquanto fórmula para se atingir o que chamamos de “civilização ocidental”. Os líbios conhecem a história de seu país, a colonização tirana da Europa, lembram-se do corrupto rei Ídris e sabem que às vezes é preciso tomar cuidado também com o que vem do Ocidente. O verdadeiro perigo não é se os líbios aceitarão a democracia, mas quão corrupto será um novo governo. A corrupção, financeira e moral, é o problema fundamental do mundo árabe. O partido Baath é a instituição mais corrupta na Síria. No Egito é a polícia. Quanto tempo vai levar para que o conselho de transição seja comprado? Suspeito que já possa ter sido comprado pelos interesses do Ocidente.
Como viu a posição da comunidade internacional de intervir militarmente na Líbia e apenas emitir sanções contra a Síria?
Duas palavras: petróleo e Israel. Obama deu sua grande cartada com as sanções, mas a Síria não exporta petróleo, aliás, importa dos iraquianos porque é mais barato que usar o próprio. Tem gente em Israel que considera Bashar Assad o único homem capaz de fazer paz pelas Colinas de Golã e por isso é melhor que ele fique no poder. Israel prefere ser cercado por ditaduras que conhece do que por democracias que não conhece. Melhor o inimigo que sabemos quem é. Obviamente tem uma questão moral envolvida aí. A família Assad é responsável pela morte de mais sírios do que Kadafi de líbios. Para ficar num exemplo só, lembre-se do massacre de Hafez Assad (pai de Bashar) na cidade de Rama, em 1982, em que 20 mil morreram. Os americanos não estão falando com Assad no mesmo tom com que os franceses falaram com Kadafi. São curiosos os termos usados pela administração americana para pedir a renúncia de Assad. Falou-se em “step aside”, dê um passo para o lado, mesmo que a certo ponto Hillary Clinton tenha cometido o deslize de dizer “step down”, mas logo se corrigiu. Essas pessoas não escolhem palavras aleatoriamente. Os EUA estão sinalizando para Assad que ele poderá continuar a existir, em alguma medida, na cena política da Síria, mas agora é o momento de sair dos holofotes e parar o massacre de civis.
A comunidade internacional tem algum papel a desempenhar de agora em diante na transição dos regimes?
O grande problema da política externa do Ocidente para o Oriente Médio neste último milênio é que sempre nos oferecemos para proteger pessoas e construir liberdade e democracia, mas para isso desembarcamos com espadas, tanques e helicópteros, oferecendo o nosso tipo de liberdade. Os exemplos óbvio de fracasso disso são Afeganistão e Iraque. Nossa arrogância não é de agora, vem dos tempos da tomada de Bagdá pelo Império Britânico em 1917, quando andávamos pelas ruas como libertadores tiranos que diziam libertar os iraquianos da tirania do Império Otomano. George W. Bush retomou esse discurso em 2003. Mandem médicos e construtores de pontes, e economistas para fazer alianças comerciais, mas, por favor, mais nenhum soldado. Temos hoje seis vezes mais soldados ocidentais per capita no Oriente Médio do que na época das Cruzadas do século 12. Ainda não entendemos que a terra deles não é nossa, achamos que o petróleo deles nos pertence, mas não é verdade. Eles são nossos amigos, compartilhamos o planeta, mas não temos direito nenhum sobre seu destino.

A epidemia de doença mental

Por que cresce assombrosamente o número de pessoas com transtornos mentais e de pacientes tratados com antidepressivos e outros medicamentos psicoativos

por Marcia Angell
arece que os americanos estão em meio a uma violenta epidemia de doenças mentais. A quantidade de pessoas incapacitadas por transtornos mentais, e com direito a receber a renda de seguridade suplementar ou o seguro por incapacidade, aumentou quase duas vezes e meia entre 1987 e 2007 – de 1 em cada 184 americanos passou para 1 em 76.
No que se refere às crianças, o número é ainda mais espantoso: um aumento de 35 vezes nas mesmas duas décadas. A doença mental é hoje a principal causa de incapacitação de crianças, bem à frente de deficiências físicas como a paralisia cerebral ou a síndrome de Down.
Um grande estudo de adultos (selecionados aleatoriamente), patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, realizado entre 2001 e 2003, descobriu que um percentual assombroso de 46% se encaixava nos critérios estabelecidos pela Associação Americana de Psiquiatria, por ter tido em algum momento de suas vidas pelo menos uma doença mental, entre quatro categorias.
As categorias seriam “transtornos de ansiedade”, que incluem fobias e estresse pós-traumático; “transtornos de humor”, como depressão e transtorno bipolar; “transtornos de controle dos impulsos”, que abrangem problemas de comportamento e de déficit de atenção/hiperatividade; e “transtornos causados pelo uso de substâncias”, como o abuso de álcool e drogas. A maioria dos pesquisados se encaixava em mais de um diagnóstico.
O tratamento médico desses transtornos quase sempre implica o uso de drogas psicoativas, os medicamentos que afetam o estado mental.Na verdade, a maioria dos psiquiatras usa apenas remédios no tratamento e encaminha os pacientes para psicólogos ou terapeutas se acha que uma psicoterapia é igualmente necessária.
A substituição da “terapia de conversa” pela das drogas como tratamento majoritário coincide com o surgimento, nas últimas quatro décadas, da teoria de que as doenças mentais são causadas por desequilíbrios químicos no cérebro, que podem ser corrigidos pelo uso de medicamentos. Essa teoria passou a ser amplamente aceita pela mídia e pelo público, bem como pelos médicos, depois que o Prozac chegou ao mercado, em 1987, e foi intensamente divulgado como um corretivo para a deficiência de serotonina no cérebro.
O número de pessoas depressivas tratadas triplicou nos dez anos seguintes e, hoje, cerca de 10% dos americanos com mais de 6 anos de idade tomam antidepressivos. O aumento do uso de drogas para tratar a psicose é ainda mais impressionante. A nova geração de antipsicóticos, como o Risperdal, o Zyprexa e o Seroquel, ultrapassou os redutores do colesterol no topo da lista de remédios mais vendidos nos Estados Unidos.
 
 que está acontecendo? A preponderância das doenças mentais sobre as físicas é de fato tão alta, e continua a crescer? Se os transtornos mentais são biologicamente determinados e não um produto de influências ambientais, é plausível supor que o seu crescimento seja real? Ou será que estamos aprendendo a diagnosticar transtornos mentais que sempre existiram? Ou, por outro lado, será que simplesmente ampliamos os critérios para definir as doenças mentais, de modo que quase todo mundo agora sofre de uma delas? E o que dizer dos medicamentos que viraram a base dos tratamentos? Eles funcionam? E, se funcionam, não deveríamos esperar que o número de doentes mentais estivesse em declínio e não em ascensão?
Essas são as questões que preocupam os autores de três livros provocativos, aqui analisados. Eles vêm de diferentes formações: Irving Kirsch é psicólogo da Universidade de Hull, no Reino Unido; Robert Whitaker é jornalista; e Daniel Carlat é um psiquiatra que clinica num subúrbio de Boston.
Os autores enfatizam diferentes aspectos da epidemia de doença mental. Kirsch está preocupado em saber se os antidepressivos funcionam. Whitaker pergunta se as drogas psicoativas não criam problemas piores do que aqueles que resolvem. Carlat examina como a sua profissão se aliou à indústria farmacêutica e é manipulada por ela. Mas, apesar de suas diferenças, os três estão de acordo sobre algumas questões importantes.
Em primeiro lugar, concordam que é preocupante a extensão com a qual as empresas que vendem drogas psicoativas – por meio de várias formas de marketing, tanto legal como ilegal, e usando o que muita gente chamaria de suborno – passaram a determinar o que constitui uma doença mental e como os distúrbios devem ser diagnosticados e tratados.
(Leia a continuação na revista Piauí)

Falta d'água dobra risco de guerra civil, diz estudo

Explosão demográfica, urbanização desordenada e mau gerenciamento fazem da competição pela água o estopim de centenas de conflitos

Jones Rossi
Milícia em Cartum, capital do Sudão: pesquisa relaciona eclosão e recrudescimento da guerra civil à escassez de água causada pelo El Niño Milícia em Cartum, capital do Sudão: pesquisa relaciona eclosão e recrudescimento da guerra civil à escassez de água causada pelo El Niño (Ashraf Shazly/AFP)
Uma das primeiras guerras da história foi travada por causa de água, há 4.500 anos, entre duas cidades-estado à margem do rio Eufrates, região onde fica o atual Iraque. De lá para cá, a quantidade de água potável disponível no planeta não mudou, mas a explosão demográfica, a urbanização desordenada e o mau gerenciamento de um recurso insubstituível fizeram do acesso à água uma competição cada vez mais agressiva - e o estopim de centenas de conflitos.
Um estudo publicado na revista Nature pelo Instituto da Terra da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, mostra a relação entre a escassez de água e guerra. Analisando o fenômeno El Niño, que em ciclos de três a sete anos provoca aumento na temperatura e diminuição no volume de chuvas, os pesquisadores descobriram que, nos 90 países tropicais afetados pelo fenômeno climático entre 1950 e 2004, o risco de uma guerra civil dobrou, passando de 3% para 6%. "Claro que, sozinha, a falta de água não causa as guerras. Há fatores sociais, políticos e econômicos que devem ser levados em conta", diz Mark Cane, cientista especializado em clima da Columbia. "Mas onde há tensões latentes, o clima pode ser a fagulha que faltava."
Os países pobres são os mais atingidos. A rica Austrália sofre com o El Niño, mas a chance de haver uma guerra civil é nula. Em compensação, a guerra civil que matou mais de duas milhões de pessoas no Sudão floresceu em 1963, ano que o El Niño provocou severas secas, e recrudesceu em 1976, 1983 e novamente este ano, períodos em que o país, agora dividido entre Norte e Sul, foi de novo afetado pelo fenômeno.

“As guerras do século 21 serão travadas por causa da água”, disse Ismail Serageldin, do Banco Mundial, em depoimento ao escritor Alex Prud'homme, autor do livro
The Ripple Effect, um alentado estudo sobre os desafios relacionados à água, do esgotamento de aquíferos à contaminação da água tratada nas grandes cidades. As chances de Seralgedin estar certo são grandes. Em 2000, 1,2 bilhão de pessoas não tinham água tratada para beber. Até 2025, serão 3,4 bilhões. Segundo relatório da ONU apresentado em Estocolmo, na Suécia, durante a Semana Mundial da Água, bastaria 0,16% do PIB mundial - o equivalente a 198 bilhões de dólares por ano - para o abastecimento regular de meio bilhão de pessoas, contingente hoje vulnerável a doenças e mesmo à morte por falta de água potável. Caso a questão continue ignorada, até 2030 a demanda de água superará a oferta em 40%.


"Guerras do século 21 serão travadas por causa de água."

Ismail Serageldin, Banco Mundial

O novo petróleo - Foi de olho na crescente competição pela água que o empresário T. Boone Pickens, dono de uma imensa quantidade de terra situada sobre o maior aquífero da América do Norte, no Texas, resolveu abastecer Dallas e sua região metropolitana com a água de sua fazenda (no Texas, a lei que gere os recursos hídricos determina que somente a água localizada na superfície é propriedade do estado; o que está abaixo pertence ao dono do terreno).
O projeto previa um investimento de 1,5 bilhão de dólares para a construção de uma tubulação que levasse a água até Dallas. Entusiasmado com o projeto, o bilionário T. Boone afirmou que a era do hidrocarboneto havia passado. "A água é o novo petróleo", exclamou. Em 2008, o projeto foi suspenso pelo alto custo da tubulação, mas este ano Pickens fechou um acordo vendendo o direito sobre as águas por 103 milhões de dólares.


"A água é o novo petróleo."

T. Boone Pickens, empresário texano

Distante e cara  -  “A água vai ficar cada vez mais cara”, diz João Lotufo, diretor da Agência Nacional de Águas. “A tendência é buscar água cada vez mais longe, o que vai demandar mais recursos para atender uma população crescente.”

Assim como Dallas, São Paulo 'importa' mais da metade da água que consome de outras cidades e até mesmo de outros estados. A cidade consome a água de 17 mananciais diferentes e vai precisar de outro até 2015 para garantir o abastecimendo da população. “Em maior ou menor grau, isso vai acontecer com todas as regiões metropolitanas do país”, prevê Lotufo.


Dos 5.565 municípios brasileiros, 55% precisam de investimentos para aumentar a oferta de água. Em investimentos, isso significa que são necessários 22 bilhões de reais até 2015. Mesmo assim, Lotufo considera impossível faltar água para o abastecimento humano. “O que há é uma competição de usos – industrial, agrícola, doméstico – que desequilibre a oferta. Mas isso só vai acontecer se não houver gestão.” 

Guerras da água

Os conflitos que tiveram início por causa da água

A primeira guerra

Lagash vs Umma, Suméria, 2.500 a.C.
A primeira guerra causada pela disputa por água aconteceu às margens do Rio Eufrates, região onde fica o Iraque. Urlama, rei da cidade-estado de Lagash, desvia o curso do rio e deixa outra cidade-estado, Umma, sem água.

Água gelada

China vs Tibet, 1950
Em 1950, a China invadiu o Tibet, em parte para garantir o controle das águas armazenadas nas geleiras do Himalaia. Atualmente, pretende canalizar a água até o Rio Amarelo. O projeto pode alterar o fluxo de água nos rios de vários países e aumentar a tensão na região, já bastante instável politicamente.

Guerra civil

Sudão, 1963 até os dias de hoje
A falta de água foi um dos fatores que impulsionaram o conflito que matou mais de duas milhões de pessoas. A guerra civil no país, agora separado entre Sudão e Sudão do Sul, foi provocada por vários elementos, políticos, sociais e econômicos, mas pesquisadores da Universidade de Columbia apontam a água como um dos principais motivos.

Quase guerra

Turquia, 1998
Em 1998, Síria e Turquia quase entraram em guerra por causa da água. Em 2003, as tensões voltaram a surgir quando os Estados Unidos invadiram o Iraque. Nos bastidores, houve uma dura disputa entre turcos, curdos e as forças americanas sobre como seria feita a coleta e distribuição da água dos rios Tigres e Eufrates.

Fonte: Veja.com

As lições dos campeões do Enem para uma boa prova

Administrar tempo e cansaço e treinar a redação estão entre lições de jovens que foram bem na avaliação e agora cursam as melhores universidades

Nathalia Goulart
Enem: estudar para o exame é fundamental - e manter a calma também Enem: estudar para o exame é fundamental - e manter a calma também (Arquivo)
Dentro de pouco menos de dois meses, os participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2011 vão enfrentar uma maratona de 180 testes e uma redação, divididos em dois dias de prova: 22 e 23 de outubro. O esforço pode assegurar uma vaga em uma das 73 universidades públicas (federais e estaduais) que, de alguma forma, utilizam a nota da avaliação em seus processos seletivos. Para auxiliar os estudantes nessa tarefa, o site de VEJA conversou com veteranos do Enem que já realizaram a prova – e se saíram muito bem.
Todos concordam que o Enem é uma prova de resistência. "Em relação ao conteúdo, não o considero um exame de alto nível, se comparado aos vestibulares mais exigentes do país, por exemplo", diz Marcela Malheiro, de 17 anos. "Mas a prova cobra organização e agilidade de raciocínio, pois são muitas questões para pouco tempo", complementa Marcela, que participou da edição 2010 do Enem e, com ajuda da nota, conquistou uma vaga no curso de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) por meio do Sistema de Seleção Unificada (SiSU).
Em outro ponto do Brasil, Guilherme Munhoz – que, graças ao desempenho do Enem 2010, foi aprovado para a carreira de biomedicina na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – orienta de forma semelhante os estudantes que farão o exame em outubro. "Digo sem medo de errar: coordenar o tempo é o grande desafio de qualquer candidato", diz Guilherme. "Não se pode investir muito tempo nas questões, especialmente naquelas que tratam de assuntos que o estudante não domina."
À administração do tempo, Mariana Cabride, de 18 anos, adiciona outra orientação. "Os enunciados das questões são muito extensos, e não apenas na área de humanas: em exatas e biológicas acontece o mesmo", diz. "É importante, por isso, manter a paciência e a concentração." De fato, textos de apoio e enunciados longos já são uma marca registrada do Enem.
A redação costuma ser o bicho-papão dos participantes. Compreender o tema proposto, refletir sobre a questão e construir uma argumentação clara e pertinente a respeito estão entre os maiores desafios dos estudantes. Poucos conseguem brilhar nesse quesito. Entre eles, está Nayara Neves Covo, de 17 anos. Ela obteve nota máxima na redação em 2010, 1.000 pontos, o que a ajudou a conquistar vaga no curso engenharia química da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). "A dissertação costuma ser a última prova a ser feita: é preciso mais uma vez administrar o cansaço e principalmente o tempo. A prática ajuda muito nessa tarefa", diz. Ou seja: é preciso treinar a redação várias vezes antes do dia da prova.

Cinco lições para participantes do Enem 2011

Matemática

"A prova não é um bicho de sete cabeças, como costumam pensar os vestibulandos. É um exame simples, que exige cálculos pouco elaborados. Além disso, dois temas distintos não costumam ser tratados em uma mesma questão, o que facilita bastante. No entanto, os enunciados extensos confundem e cansam o candidato. Para driblar esse obstáculo, aconselho o estudante a se concentrar nas questões que têm enunciados mais breves. Assim, você minimiza o risco de se perder nos textos, errar contas simples e ainda ficar cansado para resolver as operações que exigem muita atenção."
Guilherme Munhoz, 22 anos

Redação

"Nos meses anteriores à realização da prova, fiz muitas redações. Mas só praticar não basta: é preciso rever os erros. Isso permitiu que eu identificasse minhas falhas, e não as repetisse. No dia do Enem, fiz uma redação clássica: não inventei nada. Abordei o tema proposto expondo minhas ideias de forma bastante clara. Como os temas quase sempre são ligados à cidadania, é possível recorrer a um repertório bastante abrangente para tratar deles. Ou seja, é possível escrever sobre muitas coisas dentro de um mesmo tema. Essa é a grande diferença do Enem para outros vestibulares."
Nayara Neves Covo, 17 anos

Ciências humanas

"Nada de decoreba. O segredo do Enem está na interpretação de texto. Na área de história, não é preciso decorar datas e eventos. Os textos costumam trazer essas informações. Nosso trabalho é nos concentrar na contextualização: para isso, basta ler atentamente tudo o que a prova traz. Qualquer erro de interpretação pode por tudo a perder. Já na área de geografia, os gráficos e tabelas dominam. Estar antenado com temas da atualidade, aqueles que dominam o noticiário, é uma ajuda valiosa. Geralmente, são tratados temas de importância nacional. É raro que questões regionais ganhem destaque."
Mariana Cabride, 18 anos

Ciências da natureza

"As questões desta área são conceituais e de raciocínio lógico e geralmente estão relacionadas ao cotidiano do aluno. A maior dificuldade é interpretar os textos introdutórios. Por isso, é preciso calma na hora da leitura – mas fique sempre atento ao tempo, que é bastante apertado no Enem. Combinar esses dois elementos, tranquilidade e agilidade, é o grande desafio da prova."
Marcela Malheiro Santos, 17 anos

Linguagens

"Toda a prova do Enem é marcada por textos de apoio. Especificamente no exame de língua portuguesa, isso ajuda bastante. Não raro, a resposta à questão está no próprio texto: basta saber interpretar corretamente as informações. Mesmo as questões de gramática oferecem subsídios para o estudante. Mesmo assim, é importante não descuidar dos conceitos. Apesar de o exame não definir uma lista de obras literárias que o candidato deve ler, literatura é um tema recorrente: questões sobre escolas e estilos sempre aparecem. Minha dica é: leia os livros da lista da Fuvest e Unicamp, que abrange diversos movimentos literários."
Marília Bueno, 18 anos

Em busca da fórmula do amor

Psicólogo representa em número as relações saudáveis e as inadequadas

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Em busca da fórmula do amor Psicólogo representa em número as relações saudáveis e as inadequadas
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A soma ideal deve preservar as duas partes e criar mais uma: o amor
Se fosse uma ciência, o amor dificilmente estaria no campo das exatas. Mas para o psicólogo e pedagogo Dirceu Moreira, as relações amorosas podem sim ser traduzidas em números. Em seu novíssimo livro “A Matemática do Amor” (Wak Editora, 160 páginas), o autor joga um pouco de razão nesse papo de relacionamento. O resultado é um manual interessante que lista cinco variações de dinânicas entre casais. Veja quais são elas e torça para a sua somar “1+1+1”.
Como mostram os números, essa operação tem duas metades que não se juntam. Ela representa os casais formados por parceiros distanciados – um não acrescenta nada na vida do outro. Trata-se das relações mornas e semifelizes. “Neste tipo de relacionamento, os dois cederam, porém o curioso é que não se somaram”, avalia Moreira. O risco, segundo o autor, é de uma explosão inesperada de um dos lados.

1+½ = 1
Nessa conta um dos lados se sente superior ao outro, seja intelectualmente ou financeiramente, e subjuga a outra parte. O submisso, no entanto, não é totalmente vítima, ele aceita ser anulado, mas pode virar o jogo de alguma forma. “Este tipo de relacionamento pode levar a uma traição, uma forma inadequada de buscar o amor”, esclarece Moreira.

1+1 = 1
Simbiose é a marca dessa relação. Um parceiro não faz nada sem o outro, e, dessa forma, os pares ficam dependentes e perdem a individualidade – e a graça, convenhamos. Nesse caso, a parte mais frágil tende a se deixar levar pela mais forte, copiando gostos e costumes. O medo de perder a cara-metade é latente. “Aquele que foi anulado pode ter uma atitude de isolamento e até mesmo de depressão, se afastando de amigos e familiares”, conta Moreira, dizendo que é muito comum essas pessoas ficarem perdidas quando a relação acaba.

1+1 = 1+1
“Parceiros” não é o termo mais correto para representar esse tipo de casal, já que eles vivem em competição. De acordo com Moreira, uniões “1+1” são muito frequentes atualmente. Devido ao individualismo exacerbado, muitas pessoas são incapazes de compartilhar na vida a dois – e isso pode ser notado principalmente no campo financeiro. Se insistirem na dinâmica, o destino tratará de oficializar a separação que já existe.
1+1 =1+1+1
Calma, nem todas as uniões são negativas. Essa operação representa os casais que têm parceiros mais realistas, que aprenderam com o que viveram no passado e que conseguem projetar um futuro em conjunto. Os dois crescem juntos com reciprocidade de sentimentos, conseguindo conquistar o terceiro elemento da equação, o amor. Moreira conta que passar pelas situações anteriores pode fazer parte do caminho em busca de uma relação mais saudável. Não perca a esperança!

Lei da Anistia completa 32 anos sob polêmica e questionamentos

Norma comemora aniversário sob risco de voltar a ser debatida no Supremo Tribunal Federal

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Promulgada no dia 28 de agosto de 1979 pelo então presidente, o general João Baptista Figueiredo, a lei 6.683, mais conhecida como Lei da Anistia, foi o primeiro marco legal da transição democrática no Brasil. De acordo com a lei, todos os crimes políticos decorrentes do embate entre militares e defensores da democracia pós-golpe de 1964 foram perdoados.
Isso possibilitou que milhares de perseguidos políticos exilados voltassem ao País sem medo de represálias. Por outro lado, quebrou resistências entre os militares, que temiam uma onda de revanchismo caso deixassem o poder.
Na época, a TV exibiu exaustivamente imagens dos exilados chegando de volta ao Brasil entre lágrimas e abraços ao som de “O bêbado e o equilibrista”, de Aldir Blanc e João Bosco, na voz de Elis Regina. Embora o País ainda tivesse que esperar cinco anos pela posse de um presidente civil, a impressão geral era que os anos de chumbo finalmente tinham acabado.
Passados 32 anos, a Lei da Anistia virou alvo de questionamentos. Para o Ministério Público Federal, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (vinculada à Organização dos Estados Americanos), Ordem dos Advogados do Brasil e entidades de defesa dos direitos humanos como a Anistia Internacional, a lei perpetua a impunidade a torturadores e assassinos ligados à ditadura.

O Supremo Tribunal Federal, provocado pela OAB, decidiu que a lei é válida e descartou a possibilidade de punição criminal aos torturadores. Poucos meses depois, no entanto, a corte da OEA condenou o Brasil por não punir os responsáveis pelas mortes de 62 guerrilheiros do PC do B executados pelas forças do governo na região do Araguaia.
O Brasil é signatário de tratados que reconhecem a corte da OEA e está sujeito a sanções morais caso não cumpra as decisões do tribunal. O Brasil já foi condenado outras três vezes pela corte, mas esta é a primeira em que a sentença é derivada de ações do Judiciário e não do Executivo, o que dificulta um acordo.
“Existe a esperança de que o Supremo reavalie o caso. Se a decisão da corte não for respeitada o Estado brasileiro passará a mensagem de que está quebrando compromissos e se desvinculando do sistema. Isso é muito ruim para a imagem do País”, disse a procuradora da República Eugênia Fávaro, que ao lado do também procurador Marlon Weichert é autora das primeiras ações judiciais que pedem a punição dos torturadores à luz das novas normas do direito internacional.
Eles argumentam que a tortura é um crime contra a humanidade e, portanto, imprescritível. Consideram ainda inadmissível que o governo da época tenha concedido imunidade a seus próprios agentes e contestarem a própria letra da lei. “Em nenhum lugar está escrito que os torturadores são inimputáveis. Isso é uma interpretação política da época que persiste equivocadamente até hoje”, disse.
Uma das saídas buscadas pelo MPF e pelas famílias de mortos e desaparecidos é a punição cível.
Em nenhum lugar está escrito que os torturadores são inimputáveis. Isso é uma interpretação política da época que persiste equivocadamente até hoje.
“Existem uma orientação na Procuradoria-Geral da República para que busquemos ações no âmbito cível”, disse ela. Nesse caso, os responsáveis pelas atrocidades da ditadura estariam sujeitos a penas como pagamento de indenizações, perda do direito de prestar serviços aos estado e reconhecimento público de seus atos.
Apesar disso, a decisão da corte da OEA deu novo fôlego para as ações criminais. Procuradores de todo o País têm movido ações contra os torturadores baseadas na decisão do tribunal internacional. “Uma hora isso vai bater no Supremo outra vez”, disse o procurador Marlon Weichert.
Na semana passada, a Anistia Internacional pediu que a presidenta Dilma Rousseff simplesmente revogue a Lei da Anistia. Segundo fontes do governo, a possibilidade de que Dilma atenda o pedido é nula.

Indústria de trabalhos escolares prontos fatura alto com plágio

A repórter Sônia Bridi mostra como funciona a venda ilegal de trabalhos escolares prontos e teses para conclusão de cursos universitários. Tudo oferecido pela internet e até em bancas de jornal.

A repórter Sônia Bridi mostra como funciona a venda ilegal de trabalhos escolares prontos e teses para conclusão de cursos universitários. Tudo oferecido pela internet e até em bancas de jornal.

Repórter: Você copiou o trabalho da internet?
Guido: Sim, copiei trabalho na internet no ensino médio. Copiava trabalho, mudava palavras ali, tirava um parágrafo aqui, dava uma adaptada e pronto.

Repórter: Que disciplina foi que você copiou o trabalho e entregou?
Felipe: Foi filosofia.
Repórter: Justamente a que ensina ética?
Felipe: Justamente a que ensina ética.

Felipe Balleste e Guido Michaelis Fortuna garantem que agora, na universidade, não copiam mais trabalhos. Mas a prática é comum em nossas escolas.

Umas delas, em São Paulo, teve que voltar no tempo para conter as cópias. Um cartaz dá o aviso na porta: "Os trabalhos deverão ser manuscritos". Para os professores, é uma tremenda mão de obra.

“Tenho mil alunos, eu fico horas e horas corrigindo, mas sempre corrijo”, diz a professora Priscila da Silva.

Trabalho manuscrito não pode ser copiado e colado da internet. “Mesmo que ele tenha baixado a pesquisa na internet, ao escrever, ele está no processo de ler aquele material, dá oportunidade para ele estudar”, explica Priscila.

Maurício César estuda à noite e, mesmo cansado, não reclama.

“Não adianta você sair de casa buscando um ensino, um aprendizado, e chegar e copiar e colar da internet”, destaca o estudante.

No Cefet, uma das mais respeitas escolas técnicas do país, que oferece também faculdade de engenharia, foi preciso uma medida dura para acabar com o plágio. Em apenas um semestre, 40% dos formandos de engenharia de produção foram reprovados porque copiaram pelo menos parte do trabalho de conclusão do curso, sem dar os devidos créditos aos autores. Isso é plágio.

“Uma das maneiras de se combater plágio é mostrar que o plágio será combatido. No último semestre, não houve nenhum caso detectado de plágio existente”, diz o professor do Cefet-RJ Rafael Barbastefano.

A leitura atenta dos trabalhos pelos professores é a melhor arma para encontrar o plágio. Mas não a única. O engenheiro catarinense Max Pezzin criou um programa de computador que analisa um texto e diz se ele foi copiado, a partir de uma busca na internet. “O programa vai pegar pequenos trechos do documento, sequenciais, e no final de toda a análise, vai mostrar quais seriam os sites que teriam maior incidência no documento”, explica.

O aluno que compra esses trabalhos, e os apresenta na escola ou universidade como seus, comete um ilícito penal. Ele pode ser processado pelo autor por danos morais e materiais.

“As alternativas são recorrer a uma sanção civil, uma indenização em dinheiro ou também tentar punir administrativamente aquele que comprou o trabalho, por meio da perda do título, e informando à instituição de ensino a qual ele está vinculado também seria uma alternativa”, afirma o professor universitário de Direito Autoral Antonio Carlos Morato.

A escola ou universidade pode de fato cassar o título ou diploma concedido ao comprovar o plágio.

Durante quatro semanas o Fantástico investigou uma indústria que fatura alto vendendo trabalhos prontos aos estudantes.

Um kit que oferece mais de três mil é vendido nas bancas. Eles vêm gravados em CDs já organizados por temas. Uma vez encontrado o assunto, o aluno pode botar o próprio nome, imprimir e entregar ao professor.

O editor responsável pela publicação, em São Paulo, Guilherme Pícolo, diz que já vendeu mais de 100 mil exemplares do kit, a R$ 13,90, ou seja, ele faturou quase R$ 1,4 milhão.

“O objetivo do Kit Escola é o aluno ter um material. O aluno do ensino fundamental, médio e superior ter um material de apoio em casa, de fácil acesso e baixo custo”, defende Guilherme.

Repórter: Mas quando você bota isso como a principal chamada de capa, os trabalhos prontos, e não a variedade de pesquisa, você no mínimo está usando isso como ferramenta de venda. A possibilidade do plágio como chamada de venda.

Guilherme: Possibilidade do plágio eu não uso como possibilidade de venda. O que eu uso é a quantidade. Como nós estamos tratando de um trabalho, como nós estamos veiculando uma publicação em que a gente vende a diversidade a baixo custo, eu tenho que informar que eu tenho um conteúdo muito amplo.

Repórter: Em nenhum momento há uma advertência do tipo: ‘Se você copiar e colar, você está fazendo uma coisa errada. Isso é antiético, é passível de punição dentro das escolas, isso prejudica o seu aprendizado’.

Guilherme: Eu posso confirmar, mas eu acredito que dentro do CD exista essa advertência.

A equipe de reportagem do Fantástico conferiu. No CD, não há nenhum aviso de que o material é apenas para pesquisa. E o kit foi levado para ser avaliado pelo professor do Cefet-RJ Alvaro Chrispino.

Repórter: O que a gente diz de quem edita esse tipo de material? Oferecendo trabalhos prontos.

Alvaro: Objetivamente? Vai ganhar muito dinheiro.

Na internet, encontramos gente que lucra vendendo trabalhos por encomenda, seja para quem for, até formandos em medicina ou engenharia.

Produtor do Fantástico: Eu vi vocês aqui em um site da internet. Eu sou estudante. Vocês trabalham com curso de engenharia civil?

Atendente: Trabalhamos, sim. Com todos os tipos de trabalhos.

A atendente se identifica como Roberta para o produtor, que se passou por um formando em engenharia.

Atendente: Se você estiver precisando rapidamente, você pode estar enviando o título para a gente e a gente te retorna com o valor e forma de pagamento.

Produtor: E você parcela?

Atendente: Parcela. Todas as formas de pagamento.

Produtor: Então, você aceita cartão, cheque e dinheiro. É isso?

Atendente: Cheque eu creio que não.

Produtor: Mas esses trabalhos já estão prontos lá?

Atendente: Esses daí já estão prontos.

Eles oferecem até garantias: “Com nossos trabalhos, nenhum aluno recebeu nota menos que 8,5. Todos os funcionários que fazem o trabalho são professores doutorados e pós-doutorados. São várias faculdades. Porque são vários temas, são vários títulos, então são várias faculdades”, avisa a atendente.

O Fantástico fez uma encomenda. Foi feito um depósito de R$ 80 para Rodrigo de Araújo Pereira, responsável pelo site. Em quatro dias, o trabalho chegou por e-mail, enviado por Rodrigo, que foi localizado em uma casa na Zona Sul de São Paulo. Do escritório, ele coordena o esquema de venda de trabalhos: somente este mês foram 385 encomendas feitas por estudantes, pagas e entregues.

Repórter: Quantas pessoas trabalham para você nessa rede?

Rodrigo: Em torno de umas 22, 23 pessoas.

Repórter: Todos acadêmicos como você?

Rodrigo - Sim. Todos acadêmicos.

Rodrigo recebe uma bolsa do governo como estudante de doutorado em engenharia e tecnologia espaciais.

Repórter: Você considera ético o que você faz?

Rodrigo: Sim. É ético pelo meu ponto de vista. Agora, é ético a partir do momento que o aluno utiliza o material que eu envio para ele como fonte de pesquisa. Agora se ele pega o material que eu mando, assina e entrega para o professor, aí já antiético e ilegal por parte do aluno.

Mas antes, quando a equipe chegou, ele disse outra coisa: “Não é ilegal, mas é antiético”.

Repórter: Alguma vez você usou plágio nos seus próprios trabalhos acadêmicos?

Rodrigo: Não. Nos meus trabalhos, eu sempre procurei estar desenvolvendo eles. Plágio nunca cometi nos meus trabalhos, nem nos trabalhos que a gente desenvolve para os nossos alunos.

Não é o que mostra o exame do trabalho que ele vendeu para a produção do Fantástico. O programa antiplágio do engenheiro Pezzin levou a equipe de reportagem ao verdadeiro autor.

“Eu conheço partes desse trabalho. É um trabalho que eu fiz e disponibilizei na internet, esperando que as pessoas utilizassem, mas citando a fonte”, comenta o professor da Unesp Pedro Celso Campos.

Antes de dar entrevista, Rodrigo foi informado do tema da reportagem. Horas depois, ele entrou em contato com a TV Globo e disse que não queria mais que a entrevista fosse exibida. Mas o Fantástico decidiu que a conversa deveria ser mostrada, de acordo com os princípios editoriais das Organizações Globo.

Os princípios editoriais da Globo dizem que concedida uma entrevista exclusiva, a fonte pode pedir alterações, acréscimos ou supressões, mas o jornalista julgará se o pedido se justifica. Se não se justificar, como é o caso, o veículo deverá registrar que a mudança foi solicitada, mas não aceita. Outro ponto dos princípios editoriais diz que ninguém será obrigado a participar de reportagens, a menos que esteja agindo contra a lei. E está no artigo 184 do Código Penal: ao lucrar com a venda de trabalhos plagiados de outros autores, Rodrigo está cometendo crime. A pena prevista é de dois a quatro anos de prisão e multa.

Rodrigo: O que você vai fazer é pegar esse material e fazer o seu próprio trabalho em cima dele. Entendeu? Se você pega esse material que eu estou te mandando e você entrega para outra pessoa como sendo seu, você está cometendo um crime.

Repórter: O seu site anuncia trabalho pronto.

Rodrigo: Sim.

Repórter: E não pesquisa.

Rodrigo: Sim.

Repórter: A operadora Roberta trabalha na sua empresa?

Rodrigo: Sim.

Repórter: Você vai continuar exercendo, mantendo essa empresa aberta?

Rodrigo: Sim. Irei continuar.

Cruzamento entre o público e o privado põe ética de lado e abre caminho para a corrupção no Brasil

Instrumentos legítimos do processo democrático estão tendo o uso deturpado para servir à corrupção. Essa é a constatação a que muitos estudiosos chegaram após analisar práticas cotidianas da vida política, como o lobby, emendas parlamentares e doações para campanhas eleitorais. 

Se isso não bastasse, políticos pegando carona em jatinhos de empresas que têm relação com o governo e dossiês que propagam suposições como verdades têm se transformado em práticas corriqueiras. 

Conheça melhor cada uma destas atividades e saiba o que pensam especialistas:

LOBBY

O lobby é uma atividade legítima em diversos países, mas no Brasil é muito associado à corrupção. Nos mais recentes escândalos no governo federal lobistas apareceram entre os suspeitos de desvios de recursos. Eles davam expediente em ministérios sem ter cargos e tinham como principal função defender de forma suspeita interesses de terceiros, seja uma empresa ou um político. 

Uma das razões para essa relação estreita entre lobby e corrupção, dizem estudiosos, é a falta de regulamentação da atividade, garantida na Constituição. Há 20 anos, tentativas de normatizar o lobby aguardam definição do Congresso. 

- O lobby é uma atividade como outra qualquer. Qualquer grupo de interesse pode marcar uma reunião com um tomador de decisão e apresentar seus pontos de vista. Mas, como em toda área, tem o lobby bom e o corrupto - explica o professor de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Pralon Mancuso. 

Com a regulamentação, o lobista seria obrigado a se registrar no órgão governamental de interesse, informar quem é o seu contratante e os temas que quer tratar. 

A professora de Direito Constitucional da Faculdade Especializada em Direito (Fadisp) Samantha Pflug defende que uma maior transparência à atividade deixaria mais expostos aqueles que agem de forma ilícita.  

- Além disso, ela é uma medida de proteção do próprio agente público que fica resguardado - afirma a professora.

Está marcada para a próxima quarta-feira uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara para discutir projeto de lei que disciplina o lobby no Executivo federal. 

EMENDAS PARLAMENTARES

Esse é outro instrumento legítimo numa democracia e que tem tido o uso deturpado. O assunto já foi alvo de um estudo acadêmico que constatou uma estreita relação entre emendas parlamentares e corrupção. 

Após análises de relatórios da Controladoria Geral da União (CGU), uma analista do órgão e autora do estudo, Maria Fernanda Colaço Alves, constatou que o número de irregularidades administrativas encontradas em prefeituras estava associado ao repasse de recursos por emendas. 

- Um caminho natural para buscar uma redução da corrupção por meio das emendas parlamentares não é a extinção delas. São instrumentos que fazem parte do processo democrático. Precisamos fortalecer os níveis de controle do uso desses recursos que são muito frágeis, seja no âmbito federal como no municipal - disse Maria Fernanda. 

Pelas regras atuais cada deputado federal pode indicar emendas num total de R$ 12,5 milhões por ano.

O deputado federal Alceu Moreira (PSDB-RS) é um dos poucos no Congresso a falar abertamente sobre o problema. Para ele, o governo tem parcela de culpa. 

- Os governos têm feito o exercício do poder pelo pagamento. Todo parlamentar sabe que se for contra o governo em qualquer discussão coloca em risco a liberação de verbas para suas emendas. É uma corrupção oficializada. E o problema está no sistema. Parte da solução está na reforma política - afirmou Moreira. 

ENRIQUECIMENTO DO AGENTE PÚBLICO

A regra é clara. O agente público tem que disponibilizar a sua declaração de bens anualmente ao governo para que seja feito um controle sobre o aumento patrimonial do servidor. O objetivo é identificar casos de enriquecimento ilícito, quando o patrimônio é incompatível com a renda. 

Mas, na prática, essa fiscalização não existe. A constatação é de um trabalho acadêmico que foi premiado pela Controladoria Geral da União (CGU), um dos órgãos responsáveis por fazer esse controle. O autor da pesquisa é o auditor fiscal e delegado da Receita Federal Marco Aurélio de Oliveira Barbosa. 

- Quando a CGU ou o TCU vai fazer uma auditoria no órgão, eu constatei que seles perguntam se está sendo exigida a declaração do servidor e, se sim, isso já satisfaz. O objetivo que seria analisar o conteúdo da declaração para saber se houve enriquecimento ilícito não é feito. É aquela história para inglês ver - diz Barbosa. 

Segundo ele, somente há fiscalização quando surgem denúncias. Há um projeto de lei no Senado, desde 1995, que transfere para a Receita Federal a atribuição de fazer essa fiscalização. Em 2002, o governo tentou fazer isso por medida provisória, mas o Congresso derrubou o artigo que estipulava a alteração. 

Outra discussão atual sobre o tema é a inclusão do enriquecimento ilícito como crime. Há projetos em tramitação, embora a passos lentos, que prevêem essa mudança. Hoje ele é apenas um ato de improbidade administrativa. 

Barbosa propõe em seu estudo que, além da declaração de bens, o agente público seja obrigado a liberar seu sigilo bancário para fiscalização. 

DOAÇÃO DE EMPRESAS A CAMPANHAS ELEITORAIS

Doações milionárias de empresas com contratos junto à administração pública para campanhas eleitorais estão sendo questionadas quanto à sua constitucionalidade. 

Diante de inúmeros indícios de corrupção, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu na semana passada que vai entrar no Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de inconstitucionalidade pedindo o fim das doações por empresas que trabalham para o governo. 

O argumento é a prática "compromete o processo democrático, promove a desigualdade política e alimenta a corrupção". 

Autor de uma pesquisa sobre objetivos e estratégias do setor privado no financiamento das campanhas eleitorais, o cientista político da Universidade de Campinas (Unicamp) Bruno Wilhelm Speck dá seu veredito:

- Constatamos que aquelas empresas que têm maior relação com o estado doam mais. Então, em princípio, há uma suspeita muito grande de que isso ocorra por causa dos contratos - explica Speck. Ele defende o estabelecimento de um limite "realista" para doações por empresas e pessoas físicas. 

CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO PELA INICIATIVA PRIVADA
O assédio do setor privado para contratação de funcionários públicos licenciados ou egressos dos cargos no governo começa a chamar a atenção da Comissão de Ética Pública da Presidência e do meio acadêmico. 

Não existem estatísticas do fenômeno no Brasil, mas, independentemente da dimensão do problema, o impacto é certamente lesivo ao poder público. Nem sempre se trata de corrupção, mas governo e sociedade perdem. 

- As regras no Brasil são muito frágeis, apesar de parecerem muito simpáticas. Por exemplo, há a quarentena de quatro meses, mas isso é absolutamente insuficiente para lidar com o problema maior, que é a mobilização dos grupos de interesses. 

Acaba tendo um efeito perverso, uma espécie de carta de alforria, de inoculação - diz o professor de políticas públicas da Ebape/FGV e professor associado do Departamento de Economia da PUC-Rio, Jorge Vianna Monteiro. 

Os salários, em geral, são mais altos na iniciativa privada, que valoriza nesses agentes públicos a rede de contatos que deixou no governo e o conhecimento das engrenagens burocráticas. 

- Isso não deve ser enquadrado como corrupção, mas é preciso ter regulamentação adequada - afirma Monteiro.

Fonte: Jornal O Globo

quinta-feira, agosto 25, 2011

Exclusão da educação começa nos primeiros anos

Resultados de prova aplicada no início da vida escolar mostram que desempenho da rede particular é superior logo nos primeiros anos

 iG

Pela primeira vez o Brasil aplicou uma avaliação para medir a qualidade da alfabetização dos estudantes e diagnosticar problemas logo no início da vida escolar. Os resultados são alarmantes e mostram que as desigualdades entre as redes pública e privada começam desde cedo.

Em Matemática, apenas 32,6% dos alunos de escolas públicas alcançaram o resultado esperado, enquanto 74,3% atingiram os objetivos desejados na rede privada. A diferença se repete em Português, que teve provas de interpretação de texto e uma redação. Em Leitura, 79% dos estudantes de escolas particulares aprenderam o que era esperado, enquanto 48,6% tiveram o desempenho ideal na rede pública. Na escrita, 82,4% das crianças que estudam em escolas particulares estão no nível desejado; já nas públicas, 43,9% alcançaram o mesmo resultado.
A prova batizada de ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização) foi aplicada pelo movimento Todos Pela Educação, que tem como uma das metas que toda criança seja alfabetizada até os 8 anos de idade. Para Priscila Cruz, diretora-executiva da entidade, a diferença entre as redes e entre as regiões tende a se ampliar ao longo da vida escolar, por isso o diagnóstico precoce das defasagens é importante.
O exame foi aplicado a 6 mil alunos que concluíram o 3º ano (2ª série) do ensino fundamental em 250 escolas públicas e particulares localizadas em todas as capitais do País e no Distrito Federal. "Mesmo as melhores notas não são boas, pois 100% das crianças deveriam ter atingido o mínimo esperado", reforça Priscila.
A avaliação seguiu a escala do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e teve como média 175 pontos – aprendizado ideal para a etapa da educação avaliada. Em Leitura, era esperado que os alunos conseguissem identificar temas de uma narrativa, localizassem informações explícitas, identificassem características de personagens e percebessem relações de causa e efeito, entre outras tarefas. Em Matemática, atingir no mínimo 175 pontos significa que os alunos têm, por exemplo, domínio da adição e subtração e conseguem resolver problemas simples.
Na redação, foram avaliadas três competências: adequação ao tema e ao gênero; coesão e coerência e registro (grafia das palavras, adequação às normas gramaticais, segmentação de palavras e pontuação). Para isso, as crianças foram solicitadas a fazer uma carta com no máximo 10 linhas. Em uma escala que vai de 0 a 100 pontos, o desempenho esperado dos alunos avaliados era de pelo menos 75 pontos - a medida foi criada especialmente para a Prova ABC, pois o Saeb não valia a escrita.
Cada aluno respondeu também a 20 questões de múltipla escolha de Leitura ou de Matemática – as crianças tiveram que responder a prova de apenas uma das disciplinas e todas fizeram a redação. A avaliação é uma parceria do movimento Todos Pela Educação com o Instituto Paulo Montenegro /IBOPE, a Fundação Cesgranrio e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).


Brasil - Leitura    
Rede Pontuação (média 175) Alunos com desempenho adequado
 Pública  175,8 48,6%
 Particular  216,7 79,0%
 Total  185,8 56,1%
Brasil - Matemática    
Rede Pontuação (média 175) Alunos com desempenho adequado
 Pública 158,0  32,6%
 Particular  211,2  74,3%
 Total  171,1  42,8%
Brasil - Escrita    
Rede Pontuação (média 75) Alunos com desempenho adequado
 Pública  62,3 43,9%
 Particular  86,2 82,4%
 Total  68,1 53,4%
Fonte: Prova ABC

Regiões
Na média nacional do Brasil, a maioria dos estudantes (57,2%) não aprendeu o que era esperado em Matemática, ou seja, nem a metade dos alunos (42,8%) consegue fazer operações simples como contas de adição e subtração com dois algarismos. Em Leitura, 56,1% atingiram o desempenho ideal e na Escrita 53,4% apresentaram as competências mínimas exigidas.
A prova também registrou desigualdades entre as regiões brasileiras. O Sul, o Sudeste e o Centro ficaram acima da média nacional e tiveram percentuais de alunos com desempenho dentro do esperado superiores a 60% em português e próximos de 50% em matemática.
Já o Norte e o Nordeste ficaram abaixo da média e tiveram cerca de 43% dos alunos com nível adequado em Português. Em Matemática o desempenho foi pior: no Nordeste, 32,4% dos estudantes aprenderam o esperado e, no Norte, apenas 28,3% estão no nível adequado.
“Estes dados apontam que os baixos desempenhos em matemática apresentados pelos alunos brasileiros ao final do Ensino Fundamental, e posteriormente do Ensino Médio, começam já a serem traçados nos primeiros anos da vida escolar. Fato que nos coloca diante da necessidade de promover políticas públicas de incentivo a aprendizagem de matemática desde a alfabetização”, afirma Ruben Klein, consultor da Cesgranrio.
Desigualdades
Comparando a melhor média obtida em Matemática, na rede particular do Sul (224,9), com a pior, registrada na rede pública do Norte (145,4) há uma diferença de 79 pontos. Na porcentagem de alunos com aprendizagem dentro do esperado, a distância é de 64 pontos percentuais.
Para os responsáveis pela pesquisa, as diferenças socio-econômicas entre as redes (particular e pública) e entre as regiões brasileiras são a causa principal da desigualdade de desempenho apontada pela Prova ABC. "Isso explica, mas não justifica. Essa diferença social precisa ser superada, com mais recursos, mais incentivos e mais políticas públicas", diz Priscila.
Veja o desempenho das regiões em Matemática:

Norte    
Rede Pontuação (média 175) Alunos com desempenho adequado
 Pública  145,4 21,9%
 Particular  196,7 67,7%
 Total  152,6 28,3%
Nordeste    
Rede Pontuação (média 175) Alunos com desempenho adequado
 Pública 148,0  25,2%
 Particular  186,9  54,7%
 Total  158,2  32,4%
Sudeste    
Rede Pontuação (média 175) Alunos com desempenho adequado
 Pública  161,9 35,6%
 Particular  224,2 80,6%
 Total  179,1 47,9%
Sul    
Rede Pontuação (média 175) Alunos com desempenho adequado
 Pública  171,3 44,5%
 Particular  224,9 86,3%
 Total  185,6 55,7%
Centro-Oeste    
Rede Pontuação (média 175) Alunos com desempenho adequado
 Pública  167,1 40,6%
 Particular  204,2 78,9%
 Total  176,5 50,3%
Fonte: Prova ABC